quinta-feira, 16 de julho de 2009

Bodas


Você é tudo o que eu sonhava muito antes da gente se conhecer. Na verdade, até antes de nascer. Porque só uma coisa assim explica o que se dá em mim. O desatar que de repente põe-me a andar nas avenidas, sem controle do que faço, sem saber onde é que o passo está, doido, a me levar. Ele leva, acredite, sempre aonde você está. Não sei como eu adivinho. Não sei como o seu caminho se tornou tão visceral. Seu carinho, tão marcante, essencial.

Você é quem me completa, quem me espeta se preciso e me injeta o paraíso pelas veias. Você é o canto das sereias que me chamam para o mar, para o fundo deste mundo. E eu vou, pensa que não? Vou sem nem lembrar quem sou, sem sequer pestanejar, que sei bem que meu lugar é do seu lado, molhado, marcado, mudado. Suado, soldado, selado. Fechado e trancado, sem nem chave pro cadeado.

Você é o que me dá quando o vento vem soprar a janela do meu quarto. A missão que me foi dada tão depressa fez-se o parto. Eu me lembro do seu rosto e lhe garanto: tinha já todo esse encanto que o tempo retratou. Você é, aliás, o melhor do que eu sou. O motivo de sair e de voltar, do planeta quem sabe girar, desta flor desabrochar. Do sol no céu brilhar. O impulso que me dá de correr pela cidade em busca de socorrer aquela sua vontade. Sabe como é, gravidez, sétimo mês, madrugada, dez pras três, frango xadrez... É normal você querer, pode deixar que eu vou ver.

Você é aquela risada que vem assim, do nada. O fazer nada e tudo bem, o que é que tem? Todas as 1001 mulheres do meu harém. O café quente na cama (tão bom sentir que alguém me ama!). O risco branco de sol que atravessa o lençol. Às vezes, o próprio sol, a própria luz que me invade e me impele à verdade. A angústia que me bate de não estar fazendo o certo, de estar sempre menos perto, mais distante e hesitante. O medo de não ser forte o bastante.

Você é tudo o que eu sonhava muito antes da gente se conhecer. E não sei como foi ser, mas cinqüenta anos depois ainda é tudo o que eu sonho. Até me envergonho. Tanto tempo de casado e ainda estar apaixonado? Só podia ser eu mesmo, esse velho desastrado...