Hoje, ficou para trás o eco de uma porta para sempre fechada. Ficou para trás a poeira na estrada. Ficou a estrada, o extrato, o estribilho. Anos mais velho, ficou o filho. Triste e opaco, seu brilho.
Hoje, ficou para trás a coragem do exílio. Bateu o medo, logo cedo. Não cedo, mas também não insisto. Ficou para trás o imprevisto. O improvável. O abominável temor de não dar passo à frente. Ficou um pedaço da gente maior que o inteiro da gente. A essência dormente. O grito latente.
Hoje, ficou para trás mais do que se queria, menos que se dizia. Ficou sem terminar, a poesia. Ficou a alegria, a autarquia, a agonia. A ambrosia. Ficou tonta, a fantasia. Atonitamente afônica. Ficou a desilusão crônica com a passagem do tempo, que mais empata que desata, mais aperta que liberta, mais assassina que ensina. Ficou a sina a que se destina o enredo. Ficou por se contar o segredo.
Hoje, ficou para trás a rosa que não te dei, e agora nem sei mais se um dia poderei. Ficou o desejo de romper o céu. Ficou a marca de tinta no papel. Ficou o sonho à deriva. Espero que sobreviva. Ficou para sempre um nó no peito. Do outro lado da janela, ficou sem jeito a lembrança da donzela. De todas, a mais bela. Ficou quieta, a querela. Ficou dela alguma coisa em mim, enfim.
Hoje, ficou para trás a surpresa. A silhueta de um corpo feminino. Um perfume fino. Um desalinho. Ficou a nota de uma sinfonia que não vai tocar. Ficou no ar a dúvida, a dívida, a dádiva. Díspares rastros. A luz de distantes astros, destoantes estros, discordantes fachos. Ficou o fogo dos cabelos na cantiga.
Hoje, ficou para trás muito mais. Ficou um X onde enterraram o tesouro. Nos olhos de ouro da menina, ficou confessa uma promessa. Ficou o reflexo de um passarinho - e seus pulinhos - na piscina cristalina de minh'alma. Ficaram, lado a lado, calma e arrebatamento, causa e movimento, crime e julgamento. Ficou o barulho do vento soprando a nossa canção. Pelo sim, pelo não, ficou um vão no véu do tempo. Ficou imóvel, o tempo.
Hoje ficou para trás. Nunca mais o encontrarás.
Hoje, sempre, um mesmo dia. Um novo dia.
Hoje, uma folia que amanhã, pela manhã,
Já se respira...