Caro eclipse,
Sei que, esta noite, você esteve
por aqui. Não o vi, contudo. Cobriram-no as nuvens na hora precisa, junto a uma
fina, fria garoa, feita das lágrimas dessas estrelas mais emotivas que ambos,
de longa data, conhecemos e admiramos.
Gostaria de tê-lo observado ao
vivo? Claro que sim. Quem não quereria? Não culpo as nuvens, porém. Não as
censuro. Elas têm os seus motivos. Persigno-me a elas, aliás. Quando ocultam
alguma coisa, quando estendem seu manto de carranca pelo céu, é porque os olhos
de nós, humanos, devem-se desviar do alto, voltar para outro lugar, outro dos infindos, lindos
recantos desta hábil natureza. Para não perdermos de vista que, lá em cima,
inércias e movimentos são projeções das danças aqui do chão.
Não o vi e, francamente, não
significa que não o tenha sentido, ilustre fenômeno. Luas de sangue há aos
montes neste corpo e nesta fósmea. Sangue de ferida, sim, mas também sangue de
vida, fome, porre, lassos amores, ternos rubores. Se uma, nesta exata linha,
sonda-me o rosto, marca-me a bochecha, tinge-me os olhos, faz-me sentir bobo e
gigante... Como ser diferente?
Consta nas notícias que você,
fugaz desvão, repete a apresentação em outubro. Turnê completa, no entanto, só ocorre
novamente em 2032. “Longo tempo!”, alguém poderia exclamar. E me veria
impelido, com esse nobre orador, a concordar, exceto pelo fato de que o tempo
da beleza não é longo nem é curto, é um surto. E, como todo surto, imprevisto e
avassalador.
Até nos reencontrarmos,
desejo-lhe boas novas, preclaro poeta da sombra. Felicidades por esses caminhos
tão belos do nosso universo! Em sua homenagem, prometo perguntar-me (e
responder-me, na medida do possível) o que seria da luz sem você, para
assustá-la de vez em quando. Sobretudo nas horas difíceis. Mormente em incertas
penumbras que, aqui e acolá, desorientam o pólen dos ventos.
Em sua honra, prometo,
igualmente, eclipsar-me sempre que possível, lançar os meus faróis a quem deles
precisar. Uma jura de amigo que lhe faço e um desejo de gente que postulo na
densa escuridão do mar comum.
Um abraço,
Allan
15/04/2014