quarta-feira, 16 de abril de 2014

Eclipse


Caro eclipse,
 
Sei que, esta noite, você esteve por aqui. Não o vi, contudo. Cobriram-no as nuvens na hora precisa, junto a uma fina, fria garoa, feita das lágrimas dessas estrelas mais emotivas que ambos, de longa data, conhecemos e admiramos.
 
Gostaria de tê-lo observado ao vivo? Claro que sim. Quem não quereria? Não culpo as nuvens, porém. Não as censuro. Elas têm os seus motivos. Persigno-me a elas, aliás. Quando ocultam alguma coisa, quando estendem seu manto de carranca pelo céu, é porque os olhos de nós, humanos, devem-se desviar do alto, voltar para outro lugar, outro dos infindos, lindos recantos desta hábil natureza. Para não perdermos de vista que, lá em cima, inércias e movimentos são projeções das danças aqui do chão.
 
Não o vi e, francamente, não significa que não o tenha sentido, ilustre fenômeno. Luas de sangue há aos montes neste corpo e nesta fósmea. Sangue de ferida, sim, mas também sangue de vida, fome, porre, lassos amores, ternos rubores. Se uma, nesta exata linha, sonda-me o rosto, marca-me a bochecha, tinge-me os olhos, faz-me sentir bobo e gigante... Como ser diferente?
 
Consta nas notícias que você, fugaz desvão, repete a apresentação em outubro. Turnê completa, no entanto, só ocorre novamente em 2032. “Longo tempo!”, alguém poderia exclamar. E me veria impelido, com esse nobre orador, a concordar, exceto pelo fato de que o tempo da beleza não é longo nem é curto, é um surto. E, como todo surto, imprevisto e avassalador.
 
Até nos reencontrarmos, desejo-lhe boas novas, preclaro poeta da sombra. Felicidades por esses caminhos tão belos do nosso universo! Em sua homenagem, prometo perguntar-me (e responder-me, na medida do possível) o que seria da luz sem você, para assustá-la de vez em quando. Sobretudo nas horas difíceis. Mormente em incertas penumbras que, aqui e acolá, desorientam o pólen dos ventos.
 
Em sua honra, prometo, igualmente, eclipsar-me sempre que possível, lançar os meus faróis a quem deles precisar. Uma jura de amigo que lhe faço e um desejo de gente que postulo na densa escuridão do mar comum.
 
Um abraço,
 
Allan
 
15/04/2014