quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Planos


Pena que os planos
não sejam plenos
ora demais
ora de menos.

- E que a poesia desmanche tão depressa se feche o livro.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Esquece


Primeiro você conclui que piriguete (ou periguete, pois o debate lexical, aparentemente, ainda não está fechado) virou profissão, da mesma categoria de ex-BBB e ex-peão. Aí abre um site qualquer de notícias e é advertido de que o Neymar (ídolo nacional) "tem que ter tratamento especial". Aí o locutor tem um orgasmo porque, graças ao carinho da torcida, sai mais um gol contra o mistão da China (cuja seleção titular perdeu do Iraque nas Eliminatórias Asiáticas). Aí escuta o coro: "com muito orgulho, com muito amor (...)". Aí ouve a Justiça Eleitoral dizer que agora vale a pena votar, pois com o Ficha Limpa... Aí vem uma pessoa de classe média e diz que todos os males da humanidade são culpa sua porque você é, adivinhem... Da classe média! Aí a mesma pessoa comemora porque tantos milhões de brasileiros foram incluídos, adivinhem... Na classe média! Aí o governo reduz imposto sobre automóvel e cobra sobre feijão, afinal, o que mais precisamos é de novos carros na rua. Aí você folheia a revista e vê o casal ambientalmente correto porque comprou na planta o primeiro apartamento sustentável da cidade. Aí o repórter investigativo dá lição de moral no adúltero. Aí você compra o desodrante X e pega qualquer mulher, depois joga fora, quando acabar de usar. Aí vira no canal tal e desgraça o dia inteiro, pois quando não acontece uma nova, eles repetem a de ontem, para a gente não perder nunca o tônus muscular.
 
Ou seja, cara: esquece! Parte pra outra. Isso aqui já era.
 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Classe média


Parecer da Secretaria de Assuntos Estratégicos indicou recentemente que, de acordo com os novos critérios de análise adotados, 54% da população brasileira pertence à chamada classe média.
 
Segundo projeções do IBGE, a população do estado de São Paulo atingiu, em 2012, 41,9 milhões de habitantes.
 
Uma conta simples, despretensiosa ao extremo, converge para
 
22.626.000 corpos.
 
22.626.000 cérebros.
 
22.626.000 línguas que dizem o que lhes der na telha, pois, até se prove o contrário, e apesar dos últimos pesares, estamos em uma democracia.
 
22.626.000 insondáveis circuitos neuronais, cada qual exposto a uma combinação de impulsos e estímulos necessariamente única, exclusiva, inimitável.
 
Isto posto, que me desculpem: nada pode haver de mais conservador, de mais insidioso, de mais retrógrado e pusilânime, que se pretender o emparedamento de universo assim plural. Nada pode haver de mais emblemático que tamanha aberração emanar das salas de aula da maior universidade da América Latina, onde número preocupante de estudantes repete em coro, como bons soldados (ou papagaios): "espírito crítico! Espírito crítico! Espírito crítico!".
 
Passa da hora de nos perguntarmos: que raios de espírito crítico é este, que se presta às versões mais mesquinhas de sectarismo? Que raios de espírito crítico é este, que só enxerga e denuncia o que lhe convém? Que raios de espírito crítico é este, que se vale dos mesmos nefandos rótulos contra os quais deveria se insurgir? Que raios de espírito crítico é este, que se deixa manobrar com a facilidade de um carrinho de bate-bate?
 
Como passa da hora de nos perguntarmos: que raios de progressismo é este, que rotula e desqualifica seus adversários com a sanha doentia dos melhores totalitarismos? Que raios de progressistas são estes, que confundem ciência com ideologia, cultura com partido, filosofia com doutrinação? Que raios de progressistas são estes, que deram de sair por aí com o martelo da moral em riste, distribuindo veredictos míopes e estigmatizando quem não os acata? Que raios de progressistas são estes, a tal ponto preconceituosos, que se permitem a audácia de tomar 22,6 milhões de almas e jogá-las no esgoto, como criaturas abjetas, inferiores?
 
Fora das categorias puramente formais da investigação demográfica, classe média paulista é uma ficção, e de péssima qualidade. A realidade concreta do estado de São Paulo, talvez intangível para esses etiquetadores compulsivos (e, lógico, representantes máximos do espírito crítico nacional), é a de homens e mulheres que trabalham, pagam impostos, suam, sofrem, surfam e se ferram no asfalto comum. Seres humanos das mais variadas compleições físicas e origens geográficas, que forjam seus valores não no delírio de uma categoria artificialmente imposta por pseudorrevolucionários, mas na luta diária pela sobrevivência. Gente tão sortida, de tão escassos recursos e em tão diferentes posições, que, não raro, vê-se obrigada a competir entre si por essa sobrevivência. Pessoas que talvez não atinjam a sofisticação intelectual dos progressistas da USP (que não leem a revista Veja, porém se esbaldam em publicações de verniz mais fresco, lotadas de publicidade oficial), mas, ainda assim, pessoas, de carne e osso, com os mesmos direitos e deveres das iluminadas mentes que as culpam pelo atraso do país. Comprimir, ou melhor, pretender comprimir tamanha variedade numa expressão deliberadamente discriminatória não constitui apenas mero equívoco de discernimento. Trata-se de autoritarismo descarado. Obscurantismo em estado puro. Ameaça iminente à liberdade. Policiamento ostensivo do direito à diversidade. Além, claro, de afronta sem par à inteligência.
 
É muito fácil destrinchar tanto os vícios como os interesses por trás desta necedade discursiva. Quem olha para a sociedade brasileira com um mínimo de imparcialidade, despido das modalidades de acirramento convenientemente em voga, mais que depressa percebe a que (ou a quem) servem determinados movimentos que ora ela assume. Deixe-se o olhar, todavia, para olhos mais treinados, como os da História, e ocasiões mais propícias, como o futuro. Lá, espera-se, todo o estrago feito por expedientes mal-intencionados como esse venha à tona. Oxalá haja meios de repará-lo.
 
O que alivia é que tudo tem a sua razão de ser. Não bastando o insulto, o ranço, o rótulo, o viés, para enfatizar seu ponto de vista vanguardeiro e modernoso sobre o referido estrato social paulista, cunharam a expressão "classe mérdia". Decididamente, não surpreende. Conservador ou progressista, alienado ou crítico, uma verdade fisiológica une todos os brasileiros, do Oiapoque ao... Chuí, digamos assim: a fonte dos excrementos.
 
"Mérdia" só poderia mesmo sair de um...
 

sábado, 1 de setembro de 2012

Trem


Em algum lugar do mundo, ainda que lá no fundo, mesmo que por um segundo, eu sei que você sorri. E chora enquanto sorri. E a lágrima, que desce salgada dos olhos, ao percorrer a pele do seu rosto, ao ir se dando conta da beleza do caminho, morre doce na boca, quase contente de fenecer.
 
Pois o que as pessoas não saem contando por aí é que, às vezes, o mar quem faz os rios. O sol quem faz os frios. O medo quem traz os brios. E o que as pessoas não saem contando por aí é que, detrás do véu, pranto e mel patinam juntos no lago congelado da memória, confundem-se numa só infusão, esperando de mãos dadas voltar o verão, estação do seu bem.
 
Este trem, porém, o verão não toma, o verão não volta, o verão apenas vem.
 
E é preciso se conformar.