sexta-feira, 22 de março de 2013

Atos


Atos possuem valor intrínseco. Esta lição aprendi e aprendo em etapas. Em casa, nas casas ligadas à casa, com amigos mais próximos e mais distantes, colegas de ontem e hoje, professores oficiais ou não. Pela obra de cineastas, escritores, atletas, confeiteiros. Gente com quem divido um banco, uma fila, um vagão. Pessoas cuja história não conheço e não saberei, a quem cedo a vez ou de quem ganho a gentileza.
 
Podem não gerar dividendo material algum. Podem-se dissipar nos ruídos mais viris que a cidade verbaliza. Podem significar poeira na extensão absurda dos domínios cósmicos. Podem apontar norte para uns, sul para outros, o umbigo para muitos. Podem despertar assombros ou bocejos.
 
Podem muitas coisas, menos renegar a si próprios. Menos tocar neste núcleo, sagrado e inviolável, coração de cada gesto. Pois os atos, mais que as palavras (que são atos mascarados, continuamente em cena, representando teogonias), tem valor intrínseco. Algo que transcende bem, mal, meu, seu. Algo mais concreto, aliás, que moral e propriedade. Algo que é da natureza, que comunga de sua simplicidade e resume seu proceder, que pulsa na terra e recende no ar.
 
Colar de estrelas a fulgir no colo da noite baça.
 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Moral


A moral das fábulas é que o sapo vive livre, pula e coaxa onde lhe dá na telha. O príncipe, grande ou pequeno, coitado: cheio dos protocolos e compromissos sociais.

Isto sem falar das ocupações e preocupações de um príncipe que se preze. Se ruim, haja tinta, haja neurônio na trama de suas malvadezas. E é desbaratar conspiração aqui, redigir lei iníqua ali, comprar consciências acolá. Tudo para quê? Para continuar vivendo em um castelo normalmente grande demais para suas necessidades, cercado de pessoas de quem desconfia e de quem desconfiará sempre, como raposa em frente ao espelho.

Se bom, pior: aí é que seu tempo estará definitivamente arrendado, dividido entre comiserações tolas e considerações excessivamente benévolas com o humano proceder, cujo resultado será ou a ruína completa do Tesouro, ou a traição por um de seus mais chegados colaboradores.

O sapo, em contrapartida, esse é um abençoado. O maior perigo que o ronda é um rol reduzido de predadores, de quem pode escapar com suas pernas ágeis e saltos descomunais, quando não se camufla na vegetação. A água do brejo (como a luz do sol e a terra que pisa) é inteira sua, pois em seu frescor se locupleta sem causar danos a terceiros.

O príncipe sofre pela princesa ou então a faz sofrer. Sua felicidade depende da boa vontade do autor, que pode estar de mal com a vida e descontar a raiva nos personagens.

Enquanto o sapo, ainda que vítima da amargura do escritor, aos olhos do mundo não terá mais embargo que continuar na sua lida anfíbia, a quem ninguém, no desfrute pleno de suas faculdades mentais, concede a mínima importância (embora devesse).