quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Brilho


 













                               (Aos trens da vida).

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

O poder do voto


Muitas pessoas dizem para votar certo, votar consciente, votar isso e aquilo. Entendo a ideia, mas discordo de que ela seja possível, por um motivo simples: a razão de existir do voto é exatamente o oposto. 

Uma eleição só faz sentido na medida em que o certo, o consciente, a virtude, tudo isso varia de eleitor para eleitor. A partir do momento em que um discurso reclama para si o monopólio dessas qualidades, já não há escolha: todos que se lhe opõem são errados, inconscientes, viciosos.

Sem esta compreensão de que o poder do voto reside, precisamente, em sua fragilidade, sua inconsistência e, até mesmo, sua insignificância, continuar-se-á falando em democracia no idioma das ditaduras. Na expansão tirânica do "eu" sobre a coletividade.

A liberdade que se deseja para si tem que ser a mesma que se deseja para outrem. Qualquer descompasso nessa equação indica que há correntes tácitas na raiz da ideia. É um dilema que passa longe de candidatos, ideologias e demais clivagens, mais ou menos artificiais, porventura existentes.

Em cento e trinta e um anos de República, entre golpes de Estado e intentonas várias, que a História ora condena, ora relativiza, a sua conveniência, este regime vigente desde 1985 talvez seja o mais estável e inclusivo que já tivemos. E, ainda assim, seu espírito democrático fraqueja diante da ganância dos partidos, dos projetos personalistas, das falsas ilusões, da corrupção, da incompetência. De tal maneira, que talvez não seja absurdo encontrá-lo mais vivo no Parlamento do Segundo Reinado que nos dias atuais, em que hashtags valem mais que ações.

Como sair disso? Não faço ideia. Não quero fazer. Não quero que ninguém acredite que o saiba. Já temos receitas demais conflitando na cena pública. Receitas inúteis, quando a escassez não é de jeitos, mas de farinha.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Timidez


É comum encontrarmos, nas redes sociais, reclamações sobre as limitações exercidas pela sociedade em nossa liberdade. Desde padrões de beleza a disparidades econômicas, vários são os fatores que, de fato, estabelecem algum tipo de restrição sobre o livre florescer das identidades e expressões individuais.

No caso da pessoa tímida, entretanto, muitas vezes nem se chega a semelhante dilema: ela própria atenta contra a sua espontaneidade. Corta as asas de seus desejos, ideias, vontades, sonhos. Perde-se na imaginação e sofre quando é chamada de volta à realidade.

A dor não é somente no nível mental. Dá-se, também, no corpo. Tudo adoece, sem estar doente; esgota-se, sem estar cansado; paralisa, sem estar preso. Qualquer um que tenha passado por circunstâncias assim compreende a agonia de tais emoções. Acaba acostumando-se com elas, adaptando-se a esta forma parcial de viver.

São perdas terríveis, lamentadas por anos e anos, em muitas ocasiões. Ainda assim, há um fruto precioso que se extrai deste processo angustiante. Quem é tímido, com o tempo, percebe com mais nitidez a grandeza das pequenas vitórias. Aprende a dar mais valor a elas. Compreende melhor as pedras do caminho.

Talvez nunca as junte e forme um castelo, como diz uma frase bastante citada na Internet. Mas entende, aos poucos, que elas são apenas pedras, enquanto o caminho... Bem, o caminho, largo ou estreito, segue adiante, ansioso por revelar belas paisagens e novidades, a um olhar cada vez mais grato por estar em movimento.


sexta-feira, 19 de junho de 2020

sábado, 9 de maio de 2020

Vitorioso


Há uma tendência algo natural de pensar em tudo que se perde: as chances, as épocas de ouro, o tempo. Muitas dessas perdas não se superam, passam a morar dentro da gente, espécie de inquilino caloteiro que grita com os vizinhos e perturba a paz do condomínio.

Muitas vezes, muitas mesmo, pergunto-me se há algum sentido nisso tudo. Se a vida não seria melhor com uma política de tolerância zero para com devedores e arruaceiros. Se não valeria mais a pena ser pragmático e viver ao pé da letra.

Então, olho para o céu, para as cores, para a sua despreocupada transitoriedade. Toda a imensidão do que não entendo e nunca saberei.

Olho e, no fundo impossível deste doce alheamento, coberto do entulho de ruínas gloriosas, pois que verdadeiramente amadas e zeladas, considero-me vitorioso.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Saldo


Não sou alguém que conheça tanta gente assim. Contudo, mesmo dentro deste pequeno universo, pude observar, no decorrer de minha vida, pessoas que enfrentaram imensas dificuldades e não se tornaram melhores por isso. Ao contrário, rapidamente voltaram aos velhos hábitos, com um ardor egoísta ainda mais pronunciado.

Neste momento crítico, muita gente se pergunta se algo vai mudar, transposto o caos. Bastante provável que sim. Em termos objetivos, uma série de medidas restritivas serão necessárias quando se findar a quarentena, para evitar novas ondas maciças de contágio.

E em termos subjetivos, haverá mudanças? Também provável que sim. Longe, entretanto, de qualquer despertar geral e redentor.

Circunstâncias como a atual, de profunda incerteza e sofrimento, podem ensinar muita coisa. Mas, a rigor, só ensinam a quem se dispõe a aprender com elas. Aprender de dentro para fora, em um processo absurdamente lento e anfractuoso, personalíssimo em forma e essência. Muito diferente, para não dizer oposto, da reviravolta algo presunçosa que se propagandeia como fim último do drama, simultaneamente utópica e distópica.

Esta noção de que, terminado o confinamento, uma nova consciência há de se elevar irmana-se com a cultura de slogans que tanto mal faz para o enfrentamento de problemas sérios que assolam o mundo (e o Brasil, em particular). Em vez de combatê-los com humildade, realismo e trabalho, de dentro para fora, aceitando a gradualidade inerente às mudanças sustentáveis e dela fazendo um aliado estratégico, opta-se pelo içar de estandartes, gritos de guerra, punhos cerrados.

Mas e depois da adrenalina? De proclamados os compadrios? De cimentada a identidade? Da onda embriagante de auto-indulgência?

Depois disso tudo, o saldo é de aprendizado ou de inércia?

domingo, 29 de março de 2020

Destino


Não me alinho muito com a ideia de que o ser humano vá sair melhor da crise. Entre outras razões, porque, humano sendo, tendo a incorrer no viés de considerar como melhor aquilo que se me assemelhe, o que já me faz, desde o princípio, juiz parcial da pensada evolução.

Sendo muito honesto, não me alinho nem mesmo à ideia de que o ser humano possa ou deva, no atacado, melhorar. Muito, afinal, da grandeza do que a nossa espécie produziu deriva da superação do mal que ela própria sabe causar, não de sua negação. A virtude só faz algum sentido quando convive intimamente, na mesma alma, com o potencial de pecado de que esta é capaz.

Isso dito, pontuaria que há coisas mais simples a se tirar do momento. Se, em vez de uma redenção geral e triunfalista, uma pessoa tomar um tempo para pensar em outra como até hoje não pensara; interessar-se mais proximamente por seu bem-estar; comparar ambas as circunstâncias e lutar para encontrar semelhanças; desejar-lhe um bem qualquer com todo o coração; se apenas isso acontecer, na escala mais discreta que se possa imaginar, já será um acréscimo de bem sem paralelo ao mundo que dividimos.

Não o salvará, desta nem de outras turbulências, mesmo porque tampouco sei se me alinho com a ideia de que o mundo precisa ser salvo, pois voltaria ao dilema inicial, de que, humano sendo, tendo a incorrer no viés de acreditar que a força salvadora saia sempre das minhas hostes, não do inimigo.

E aí já não é história o que faríamos, mas destino, pouco importando o peso da escolha, a liberdade do arbítrio, a saúde, as renúncias, o amor ou as coisas simples, cujo estatuto se alteraria, de forma triste, ao de simples coisas.