segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Banal

 
Uma árvore se cobre de flores e, em meio à profusão de cores da primavera, alguém diz: "é banal!".
 
Verdade. As pétalas são banais, as estações são banais, o tempo é banal. Apontar a banalidade, ora, o que mais banal? O que mais inútil?
 
Eu vivo pelo que é banal. Os melhores momentos, aqueles em que mais profundamente amei e compreendi, não necessariamente nesta ordem, foram banais. Aqueles para os quais não me preparei. Ocasiões em que não lembro como estava vestido, se chovia, se o calendário aprovava, se fazia sentido.
 
Não menospreze o banal. Deixe-o ser assim. Na excepcionalidade simples de sua coleção, quem sabe, a felicidade inconsciente, inesperada e indefinível antes de acontecer.
 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Ponto

 
Na primeira aula de desenho geométrico, diziam que a definição de ponto era a de algo sem dimensão.
 
Para a matemática, vale. Para a vida, não. Um ponto, ou melhor, um evento pontual, esconde toda uma cadeia. Uma palavra advém de incontáveis rascunhos formulados na imaginação, às vezes no coração. Um olhar guarda a soma de tudo o que se viu e se quer ver. Uma atitude reflete uma paisagem do interior. O que se mostra ao mundo, por intermédio de um gesto, são os fiapos extremos de um tecido imenso, zelosamente trabalhado nas oficinas do sentimento.
 
Importante ressaltar, porém, que, no ato próprio de se mostrar, o fiapo não é mais fiapo, é o tecido em sua inteireza. O olhar é o sentido da visão. A atitude é o âmago. A palavra é a alma, é o amor.
 
O ponto, único porto plausível do humano entendimento, a que se devia dar mais consideração mesmo nos dias corridos; mesmo nos tempos trevosos, de geométrica ressaca.
 

domingo, 3 de janeiro de 2016

2016

 
Nenhum ano é ruim para uma vida como a minha. Qualquer conclusão diferente seria não apenas um pecado, como um desrespeito para com quem me criou, quem me cerca, quem me quer bem. Um atestado de alienação em relação à miséria que campeia no mundo e em meu país.
 
Dito o principal, que é a consciência do privilégio, há os ciclos melhores, os piores, os mais ajustados, os destrambelhados, os esquisitos. Posso dizer que a última categoria abraçaria calorosamente 2015: um ano, entr...e muitas outras coisas, esquisito. Ao qual, porém, devo meus tributos extras, além dos já mencionados, por importantes realizações e oportunidades pessoais que tive em seu decorrer. Elas podem parecer pequenas, por determinados critérios; simplórias, para indeterminados olhos; nunca para mim.
 
Se 2016, qualquer o adjetivo que a ele se afeiçoe em seu final, tiver a singeleza do amor, já terá sido inesquecível. Se nele não faltar saúde, já terá sido abençoado. Se nele pairar um pouco de justa paz, já terá sido um tempo ganho. Com a implícita redundância da expressão, que tempo nenhum é perdido quando a escala é o coração de quem o mede.
 
Mais, no entanto, que saudar 2016, ano em que completo 30 e em que, coincidentemente, uma série de marcos importantes da minha vida assinalam a sua primeira década, cumpre-me este resgate insólito, todavia necessário, de louvar a beleza e poesia do que passou. Os felizes anos velhos, sem os quais não haveria estas palavras e este desejo por um próspero recomeço.
 
Os anos de meus antepassados, de meus bisavós e avós, tanto os que me conheceram quanto aqueles com quem não pude conviver. Os anos de parentes, amigos, vizinhos, professores e outras pessoas queridas que já não estão mais entre nós. Os anos de brinquedos, de passeios, de uma aurora que se prometia a mim com infalível convicção e que agora, tio, prometo-a, instintivamente, a minhas sobrinhas, sem saber se, de fato, ela existe. Os anos de chuva na janela, rosa na lapela, bilhetes de bom dia, pai-nosso, ave-maria. Os anos de gatos no telhado, taças na cristaleira, futebol de terra, jogo da memória. Os anos de milk-shake em copos com cobertura.
 
Impressiona como cabe, em um piscar de olhos, tudo o que os encantou.
 
Como cabe e como passa!
 
Feliz 2016!
 
Allan
 
31/12/15