sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Carpe diem


Nas horas em que tudo vai bem, é muito fácil esquecer a natureza do ciclo.

Por isso, quando se diz para aproveitar cada segundo, não é no sentido de ir às últimas consequências o tempo inteiro. É, muito mais simplesmente, não perder a humildade durante a bonança nem a esperança durante a tempestade. Não fechar os olhos à verdade de cada dia.

Isso, aliás, é carpe diem. É a paciência improvável que gira o moinho quando os ventos se recolhem. A fé que não move montanhas, atravessa-as com dor e rarefações.

O amor que se eterniza porque se o é.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Memória


A gente fica de marcar um café.

E esquece que o vapor escapa, a bebida esfria, as flores murcham, mesmo as mais estonteantes.

Esquece até que o café é o de menos, o lugar não tem importância, as agendas não são cheias assim, que não achem uma brecha.

Que o problema não está em que o tempo passe, mas em que a gente pare e espere dele qualquer coisa diferente.

Até quando?

(À memória de dois queridos amigos)

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Água


As pessoas não são perfeitas. Nem perto disso. Ninguém.

Mas o amor, sim. O cuidado, sim. A delicadeza, sim.

Por isso, não deixe para trás ou para depois quem representa um desses três pilares. Quem segura as pontas nas horas difíceis. Quem não se verga à conveniência dos ventos.

Quem é água e não espuma nas misteriosas ondas da vida.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Existenciais


Há momentos-chave na vida cuja verdade nos escapa. Eles criam e alimentam os mitos das nossas trajetórias. Tudo o que não podemos explicar. Tudo o que gostaríamos que fosse, mas não é, pelo menos não a nosso molde.

Vêm a minha cabeça alguns desses momentos. Olhares cujo significado nunca saberei. Respostas não dadas ou não recebidas. Pessoas que passaram e sorriram. Vácuos nos quais um apoio ficou pendente, um respaldo ficou faltante, uma voz não se pronunciou.

Seriam as minhas questões existenciais, muito mais relevantes que saber de onde vim, o que sou, para onde vou.

As quais, muito provavelmente, não guardam a menor importância em meio às candentes questões do noticiário nacional, embora muitas destas, como tantas do passado, tendam a viajar pela história sem que jamais lhes adivinhemos a verdade do que ocorreu.

domingo, 16 de abril de 2017

Segundo céu


Quando passo debaixo do telhado de ovos de Páscoa, no mercado, mal consigo acreditar que, em alguns casos, minha cabeça chega a tocar neles. Mal consigo crer que me lembro, como se fosse ontem, de quando olhava para cima e os via inatingíveis, como um segundo céu.

O tempo passa. As pessoas passam. A ressurreição está em não perder de vista esses segundos céus das pequenas Terras em que vivemos os nossos melhores sonhos.

Não perder de vista as estrelas que neles brilham, e que nos guiam ao verdadeiro amor.

Feliz Páscoa!

segunda-feira, 20 de março de 2017

Pena


Às vezes, as coisas não saem como gostaríamos.

Às vezes, é para melhor; às vezes, pior.

Às vezes, era ao redor que, desde o início, devia-se procurar.

Às vezes, cabe somente saber quão bonito seria e, sem poesia (ou toda ela), dizer:

Uma pena!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Vista


À primeira vista, muita coisa pode ser fascinante. 

Mas bonito mesmo é quando a gente mal se cabe de esperar pela segunda, a terceira, quantas mais os números tiverem imaginação de inventar.

Ou de ventar.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Ídolos


Cada qual tem seus ídolos. Uns veneram religiões; outros adoram líderes políticos; outros, ainda, ciências, ideias, utopias. Nada mais natural que, dessas preferências, surjam afinidades, as quais cimentam o convívio e alimentam identidades e sentimentos.

Quando, no entanto, as afinidades viram cláusulas, pré-requisitos, senhas de sociedades secretas, o que se alimenta é nada além da palidez do próprio reflexo. O que se cimenta são réplicas bonitinhas, mas ordinárias, desses muros que grassam no mundo e ninguém quer erguidos.

Nestes tempos de muros, aliás, muito conviria que se olhasse, com a mesma severidade crítica que se faz às fronteiras dos países, também às próprias fronteiras. Ao teor de barro presente em todo ídolo. Às segregações que não se fazem com o decreto de um louco, mas com palavras de efeito, moralismos disfarçados, tiranias cheias de amor.

Entre todo o repertório de novidades cabíveis na existência humana, o que vale para um, vale para todos. Isso não muda. Não tem como mudar. De modo que o idealista pode ser mesquinho, o virtuoso pode ser devasso, o sonhador pode trair quem ama. A ajuda que salva uma vida pode vir de quem jamais se esperaria.

Fechar-se para tamanha riqueza de possibilidades por causa de ídolos é uma opção válida, claro. Mas pobre. Rasa. Infame.

É podar não a árvore que ameaça cair, mas a semente que ameaça germinar.