sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Relevo


As pessoas pisam. Judiam. Desdenham. Fazem troça dos esforços que fazemos para sermos verdadeiros. Exigem que banquemos todo tempo bons cordeiros.
A gente releva.

Os políticos detonam. Chegam ao fundo impossível do deboche. Escondem o sorriso com o bigode. Fazem um enorme pagode onde é o povo quem sacode ( e se fode...).
A gente releva.

Conterrâneos sofrem abusos de autoridade. São parados nas portas giratórias. Levam tiros na saída das agências bancárias. Não podem sacar o dinheiro que suaram pra ganhar.
A gente releva.

Vizinhos são espancados, seqüestrados, achacados. Quando o roubo não é casual, é oficial: imposto predial, taxa ambiental, alíquota social, contribuição federal.
A gente releva.

A gente releva e, uma hora, enerva. Mas, de tanto relevar, o relevo cresce a ponto que montanhas se avultam em torno de nossa sede. Os olhos já não podem alcançar a bela vista. Ficamos isolados, tristemente alienados. Guardados da realidade que borbulha do outro lado.

Pra escalar, depois, não é fácil...


*


Há exatos dois anos, escrevi minhas idéias sobre o tema felicidade. Revisitei-as, outro dia, e com alegria percebi que não mudei de opinião. Talvez não esperasse transformações tão rápidas e drásticas neste tempo que passou. Muita coisa marcou, a ferro e fogo, minha pele. Ainda marca, quando me distraio das coisas que valem a pena e me ponho a refletir.

No frigir dos ovos, porém, justamente este lado menos belo é que me faz valorizar o lado mais bonito, mais brilhante desta vida. Um lado que é muito maior, muito mais significante, muito mais forte e importante que os desvios da estrada principal.

Às vezes, de fato, é bom sair do asfalto e ver como tudo é mais lento nas vicinais de chão batido. Como os perigos são reais, como as fugas são ilusórias, como o tempo é sempre exíguo, pra quem nasce e quem se vai.

Eu agradeço bastante, com intensidade, por ter sempre esta chance das duas medidas. Do discernimento racional e passional sobre o que tem valor de verdade e o que é puro capricho. Por saber que minha missão é agradecer, do fundo do coração. Por ter em mãos os termos de comparação e, a partir deles, compreender o privilégio de ser quem sou. De viver a minha vida, cometer os meus erros, ter a autonomia e possibilidade de entrar e sair da minha estrada quando quiser. A liberdade de não agir somente quando convier.

Muito obrigado!