sexta-feira, 10 de maio de 2013

Avô

 
No papel de avô, não houve melhor que Seu João. Foi doce, afetuoso, risonho, tolerante. Brincou comigo até quando o joelho não permitia. Jogou botão, enfileirou carrinhos, desenhou pombos, contou histórias do tempo em que era vaqueiro, de quando foi craque na várzea.
 
Mais tarde as histórias cresceram junto comigo. E, onde a palavra já não alcançava, seu olhar tocava e refletia nos meus, ensinando-me o valor de ser bom, primar pela consciência e condescendência, cultivar paz, ternura, harmonia. Não era perfeito o meu avô, mas era um homem, acima de tudo, justo. Um homem que sabia, por dom exclusivo e intransferível, ser infinito no amor para com os seus.
 
Tantas noites eu jantava na sua casa, vizinha da minha, que não era nenhum grande evento ou formalidade. Ainda assim, ele fazia questão de ficar ao meu lado, mesmo que, por efeito de algum jogo ou programa da televisão, o ficar fosse apenas silêncio. Éramos, então, somente os dois na sala, partilhando impressões, falando, cada um na sua língua, de assuntos diferentes, apesar das símiles conclusões. Hoje, tenho certeza de que foi nessas ocasiões singelas que o conheci em profundidade, que entendi o que ele pensava, o que sentia, o que ainda esperava da vida.
 
Fato é que ele esperava pouco. Não pela idade avançada, pelas limitações que o tempo, aos poucos, foi-lhe impondo. Antes por personalidade. De mim, então (e posso dizer, com igual convicção, dos outros netos) meu avô esperasse talvez uma coisa só: que fossêmos felizes. Da infância aos primeiros passos na vida adulta, uma cobrança não tive que viesse de sua boca. Nunca me disse, aliás, para ser de um jeito ou de outro, agir de tal ou qual maneira, agradar Fulano ou Beltrano.
 
Meu avô era uma pessoa que reconhecia o que era precioso. No diagnóstico e na exaltação. Por modesta que fosse, não deixava virtude passar em branco. Aplaudia, cumprimentava, enaltecia. Éramos todos melhores ao lado dele, como indivíduos e como família.
 
Hoje, 10 de maio, faz exatamente dois anos que ele faleceu. Egoísta dizer que ele deixou saudade, porque seu legado é muito mais amplo: meu avô deixou caminhos, princípios, exemplos. Se, às vezes, não os seguimos, Vô, isto não significa que seja por mal, nem que não estejam dentro de nós, sob nossos pés. Significa outra coisa que ainda não descobri, que um dia, quem sabe, meus netos descubram por mim, enquanto brinco junto com eles.
 
Em sua memória escrevo este texto e em sua memória peço, a quem leia, religioso ou não, uma oração, que pode ter novenas ou ser um simples olhar na direção do céu. Uma oração não para seu conforto, nem para o meu, mas em benefício e elevação de todos aqueles que possuem uma família, que amam e respeitam a sua família. Estou certo de que, onde estiver, ele sorri sob os bigodes brancos, aprova com a cabeça e me compreende.