domingo, 20 de junho de 2010

A alma da dança


Quem dança, ainda que não profissionalmente, sabe que o gesto não surge por acaso. Requer horas de exaustiva repetição, tediosos retoques em ensaios gerais - interrompidos a cada momento para broncas e correções - descoberta individual e coletiva de cada novo passo ousado. Sem falar, claro, no cuidado diuturno com o corpo, que abrange desde uma alimentação equilibrada a aulas de condicionamento das mais variadas.
Todo este processo, pr si árduo e laborioso, depende ainda de um componente fundamental: a concentração. Não há dançarino de verdade que não tenha um alto grau de concentração desenvolvido. Somente assim é que um giro se torna alegoria do tempo, do universo, da deliciosa e penosa inconstância da vida. Somente assim, a luz de uma idéia brilhante reproduz-se no músculo apoteótico. Somente assim, o corpo em movimento ganha o palco e convence, a si e a platéia, que a verdade está com ele, nada mais importa, nada mais existe.
Somente assim, a alma da dança se liberta e atravessa a porteira do impossível, trazendo à cena viva um mundo incrivelmente belo, puro, mágico, espelho do coração artista de cada ser amante que carrega uma esperança em seu cantinho mais especial...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Federer e o tênis


No jogo de tênis, a rotina da bola, fundamentalmente, é uma só: pular de um lado para o outro da quadra. Acidentes de percurso fazem, aqui e ali, que ela tome outros caminhos. Pode estancar na rede, beijar a linha, decolar rumo à arquibancada, numa madeirada... Raspar caprichosamente a fita, deixando no ar uma pergunta: vou ou fico?

Com poucos centímetros de diâmetro, poucos gramas de peso e densidade menor que a da água, a bola de tênis passa por mãos reais e mãos plebéias durante a partida. Carrega o suor do jogador, sente-lhe os ecos de palpitação percutidos nos dedos, faz-se cúmplice de seus sonhos vencedores. Torna-se, assim, uma reprodução em miniatura do que é a própria vida, sempre para cá, para lá, para cá, para lá, entre vitórias e derrotas, ao sabor de vento e sentimento.

Roger Federer, um dos poucos de mãos genuinamente reais, soberano entre os soberanos, inverteu um pouco a lógica do esporte. Quebrou praticamente todos os recordes. Descobriu brecha num jogo tradicionalíssimo, de mais de cem anos de existência, para inventar golpes novos. Provou, fora do certame, que o mito pode e deve servir de impulso à celebração dos valores humanos mais belos, como a humildade, a elegância e a solidariedade. Habituou seus fãs a ver a bola quase sempre morrendo no lado do triunfo.

Só o que não conseguiu, e ainda bem que não o fez, foi romper definitivamente a rotina dessa bola, que é o fato de ela ter, necessariamente, de quicar de vez em quando do lado de cá da rede. Depois de 23 semifinais e 8 finais consecutivas em torneios de Grand Slam, hoje Federer perdeu mais cedo. Decadência? Desinteresse? Azar? Não. É a essência do tênis e de todo o esporte. É o fato de que mesmo os reis, recolhidos à alcova do palácio, ao fim do dia, sem o cetro e a coroa, são afinal tão humanos quanto os súditos que o vêem, majestoso, sobre o trono. É a verdade da vida sendo escrita, para cá, para lá, para cá, para lá...

Até Wimbledon chegar e ele dar um smash na derrota, em plena terra da Rainha...