quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

2013


Se insististe em tomar
a canoa furada,
não te queixes ao mar
de que a água é gelada.
 
 
O que esperar de 2013? Ou, tanto melhor, o que fazer para que em 2013 eu não fique apenas a zelar por esperanças, feito um pastor de ilusões? De que forma proceder para que esta não seja mais uma carta de intenções, a se rasgar em pedaços num ribombo qualquer de tempestade? Como agir para que o ano não termine ferido nos espinhos da rosa-dos-ventos, cansado de andar em vão pelas folhas do calendário? O que fazer para escapar às armadilhas do tempo, ao tampo que, pouco a pouco, ele parece nos impor?
 
Muitas soluções satisfariam a tais perguntas, fosse-me dado respondê-las. Ocorre que não é o caso, pelo menos não aqui. Primeiro, porque se trata de questões por demais particulares para fechar gabarito. Cada qual sabe onde aperta o seu calo, daí porque me calo, às vezes, quando o bom senso ordenaria discurso. Segundo, porque encerrar o assunto com uma opinião volúvel seria não somente pretensioso, como estúpido e insensato. Negação sumária da natureza humana, tão mais bela quanto maiores as dúvidas que suscita, quanto mais acentuadas as diferenças que permite de ser para ser. Terceiro, porque o que importa, nestes ritos de passagem do tempo, é a profundidade do compromisso que contraímos em nosso íntimo, e a isso gostaria de me ater.
 
Meu compromisso para 2013 é objetivo: fugir do desperdício. Em que sentido? Em todos eles. Desperdício de horas, sonhos, realidades, páginas, produtos, confianças. O que significa, por contraste, aproveitar melhor a dádiva inerente a cada momento de incontida e espontânea felicidade: um livro, um filme, uma música, uma mensagem, um sorriso roubado ou escancarado, um perfume, um amigo, uma onda, um jogo, uma lembrança. Pouco importa o que a atice e o que a sustente. Pode vir da ciência ou da religião, com açúcar ou adoçante, em débito ou crédito, da direita, da esquerda, do centro, expelido de um gêiser ou flutuando sobre geleira, como um beijo, abraço ou aperto de mão... O que for, desde que simples, sincero, verdadeiro. O que for, desde que consciencioso de não causar mal, assim não se envenenar pela própria sanha da mordida.
 
Aproveitar, assim, o afeto, a ternura, a graça, a dignidade, o amor. O valor de cada vez que o coração reconhece não estar sozinho no mundo. A essência do que sou, do que quero e posso ser, da amplitude dos meus medos e minhas inseguranças. Ouvi-las, consultá-las, cumprimentá-las, aprender que elas têm o seu lugar e é bom que seja assim, anteparo de sobrevivência. Gostar mais de mim, respeitar mais a mim, não pirar com a impressão de que todos sabem o que fazem enquanto eu derrubo sorvete na camiseta, como a mais desastrada das crianças. Ser, por que não, essa criança, ainda entretida com imagens fantásticas de lagos secretos, caminhos misteriosos, luzes de Natal.
 
Aproveitar, inclusive, o que se apagou e não pude ser, e agora me escapa, sombra melancólica, nos pesadelos recorrentes. As decisões difíceis que me fizeram sofrer e, no entanto, por bem ou por mal, conduziram-me até aqui. A convivência árdua com a consequência dessas decisões, compensada apenas por uma capacidade menos discutível de aceitação por parte da personalidade. As perguntas outras que, cada ano, minto, cada segundo, cobram respostas que nunca poderei saber, pois pertencem a bocas agora mudas. As renúncias a que me vi compelido pelo dolo da timidez, ou então do abuso dela. As causas de que abri mão sem motivo algum, por provável egoísmo ou sofrível distração.

Aproveitar, enfim, o que de mais autêntico posso oferecer: um corpo, uma alma, um desejo. Juntos, grão insignificante na imensidão do universo, de mesmas desprezíveis dimensões dos demais bilhões, livre dos grilhões enquanto puder ser livre. Ponto inexpressivo que, obra de Deus ou fé da lente, faz-se, de repente, único, imenso, especial. Estrela a brilhar na noite de quem, por sorte, decide olhar para o céu justo naquele instante sem nuvens, naquele lapso sereno de infinita compreensão.