sexta-feira, 22 de junho de 2018

Diário


Já tive um diário, há dez anos atrás.

Comecei-o em um momento de grandes turbulências, quando a confusão sobre o que fazer da vida era ainda uma semente. Estava dividido entre duas cidades, múltiplos interesses, uma genuína certeza de alma. Inevitável que, mesmo em anotações esparsas sobre o dia-a-dia, estilassem centelhas de um fenômeno bastante mais profundo.

Quando leio algumas das palavras que escrevi naquele tempo, dou risada. Outras, entretanto, ameaçam marejar os olhos, percebendo que prediziam meu futuro e, mais que videntes, revelavam a essência de sentimentos que, até hoje, perduram. E, de perdurar, atestam-se grandiosos e verdadeiros, justamente como o melhor que existe em cada um de nós.

Embora me dê conta do grande valor que aquele conjunto pequeno de textos reúne, nunca mais consegui começar outro registro semelhante. Sempre que tento, um pudor corta-me a iniciativa, advertindo-me de que o tempo é precioso e outras atividades merecem prioridade, inclusive no plano da escrita. Sinto-me, ademais, levemente anacrônico anotando no papel eventos do cotidiano, quando não um pouco envergonhado de dar vazão crua a impressões e emoções que, como os dias, passam e alternam-se sem maior significação.

Por que guardá-las?

Por que não guardá-las?

Todo tempo me pergunto, todo tempo me respondo, hora alguma compreendo.

A tempo: era eu, em 2008, uma pessoa bem diferente do que sou agora, em muitas coisas. Talvez uma pessoa melhor, mais romântica nas suas aspirações e na certeza de que elas se realizariam. Como hoje, entretanto, meus objetivos de vida não miravam o ouro que brilha na cúpula dos obeliscos; miravam a luz ao redor, a luz que, projetando-se do coração, completa o seu ciclo no encontro com as luzes dos outros corações, dando alimento (e alento) à travessia.

Era eu, em 2008, um cara que merecia ser mais conhecido do que foi nas tardes de chuva e pôr-do-sol.