segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Conviver


Para cada fato relevante, em um período que varia de 140 caracteres a uma edição especial de noticiário, temos cerca de não sei quantas casas de zero de análises inteligentes, imparciais e compreensivas, que mostram a verdade última que ninguém divulga (ou ninguém quer ver).

"Cerca de" porque o que ocorre é precisamente o que a palavra diz: uma cerca em volta dos acontecimentos. Casas de zero porque este é o número que melhor define o quanto se explica ou se aprende sobre o ocorrido: zero. Última porque, se pegarmos todas as verdades produzidas no intervalo mencionado, tal é a hecatombe que elas provocaram sobre o ouvido humano, que a mais barulhenta, de fato, vence – embora vença sozinha, pois já não há tímpano íntegro para saudá-la (ou repudiá-la).

A proliferação dessas análises instantâneas não vem para somar. Elas se encapotam em brumas sedutoras de rosicler apelo democrático, mas, na prática, só o que fazem é afastar; repelir; provocar. Se não arrancam sangue literal, derramam-no em metáforas que rifles convulsos, tragicamente, tornam real. Se não chafurdam em lama concreta, nutrem o pântano que absorve, sem piedade, vidas inteiras, sobre as quais novas análises extasiantes pulularão.

Neste dia consagrado à tolerância, cumpre atestar que, para a detecção e exploração das diferenças, temos já forças políticas e religiosas extremamente competentes. Forças que se dão ao luxo de divergir ideologicamente entre si com a mesma violência com que deixam recair, sobre as pessoas, seus impulsos de poder. E que nada fazem, nada, para impedir que essas pessoas se acabem mutuamente em nome de seus motes, suas bandeiras, seus crimes. A tal ponto surreal de se ver em curso, nos últimos dias, um conflito escancarado pelo monopólio do sofrimento, a prioridade do luto, a prerrogativa do caos. Como se possível fosse tutelar e ditar o que se sente. Inúmeras foram (e são) as experiências autoritárias mundo afora, Brasil adentro, que se valeram da tortura, da propaganda, do pânico. Nenhuma, até hoje, por mais sanguinária a sua sanha, por totais o controle e medo impostos, conseguiu impedir a liberdade do espírito, da mente, do coração.

Acima de política, economia, democracia, etc., o que vigora, nos tempos atuais, é uma crise de convivência. Tem-se a opção de alimentá-la, até que nos engula a todos, ou de tentar, ainda que em escala mínima, combatê-la. Como? Sem maiores lupas. Sem prévias impressões. Sem que importe ou se exporte a divergência naquilo em que ela separa, em vez de unir.

Com o simples, grandioso exercício de conviver.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Refinados


Finados corpos,
refinados tempos
de saudade e de memória,
de mapas do que seremos
nos ermos movimentos
da boca detrás dos ventos.

Singela homenagem aos que partiram e permanecem.