quarta-feira, 8 de abril de 2020

Saldo


Não sou alguém que conheça tanta gente assim. Contudo, mesmo dentro deste pequeno universo, pude observar, no decorrer de minha vida, pessoas que enfrentaram imensas dificuldades e não se tornaram melhores por isso. Ao contrário, rapidamente voltaram aos velhos hábitos, com um ardor egoísta ainda mais pronunciado.

Neste momento crítico, muita gente se pergunta se algo vai mudar, transposto o caos. Bastante provável que sim. Em termos objetivos, uma série de medidas restritivas serão necessárias quando se findar a quarentena, para evitar novas ondas maciças de contágio.

E em termos subjetivos, haverá mudanças? Também provável que sim. Longe, entretanto, de qualquer despertar geral e redentor.

Circunstâncias como a atual, de profunda incerteza e sofrimento, podem ensinar muita coisa. Mas, a rigor, só ensinam a quem se dispõe a aprender com elas. Aprender de dentro para fora, em um processo absurdamente lento e anfractuoso, personalíssimo em forma e essência. Muito diferente, para não dizer oposto, da reviravolta algo presunçosa que se propagandeia como fim último do drama, simultaneamente utópica e distópica.

Esta noção de que, terminado o confinamento, uma nova consciência há de se elevar irmana-se com a cultura de slogans que tanto mal faz para o enfrentamento de problemas sérios que assolam o mundo (e o Brasil, em particular). Em vez de combatê-los com humildade, realismo e trabalho, de dentro para fora, aceitando a gradualidade inerente às mudanças sustentáveis e dela fazendo um aliado estratégico, opta-se pelo içar de estandartes, gritos de guerra, punhos cerrados.

Mas e depois da adrenalina? De proclamados os compadrios? De cimentada a identidade? Da onda embriagante de auto-indulgência?

Depois disso tudo, o saldo é de aprendizado ou de inércia?