domingo, 21 de julho de 2013

Amizade


Tardiamente descobri que ontem foi dia do amigo. Não sei até que ponto isso importa ou não, se é comércio, perfumaria, falta do que fazer de algum legislador. De toda forma, como as demais datas semelhantes, dá a oportunidade para pensarmos um pouco no alcance e significados de um sentimento.

O que é a amizade? O que a concebe, sustenta, faz perdurar? O que a torna imprescindível em nossas vidas? Perguntas que não possuem respostas fechadas. Variam de pessoa para pessoa, momento para momento, crença para crença.

Fiz, por exemplo, bons amigos na infância. Tínhamos planos mirabolantes, projetos de instalação de bases secretas, mapas de grandes expedições, esperanças de preciosos tesouros. Pulávamos portões, invadíamos quintais, quebrávamos vidros, caíamos e nos levantávamos em cada calçada do quarteirão. Pendurávamos em árvores, explorávamos telhados, despíamos mulheres com olhos sequiosos das primeiras sensualidades.

Alguns desses amigos ainda encontro por aí, na rua onde jogávamos bola, driblando os carros e crateras. Não raro, demoro para reconhecê-los. As palavras que trocamos, quando as trocamos, são mecânicas. Não fluem com naturalidade. Fazem perguntas de manual de convivência. Abismam-se na distância que o tempo abriu conforme fomos crescendo.

Indago-me se, dado o que o destino lhes reservou, eram mesmo amizades. Creio firmemente que sim. Amizades francas, verdadeiras, desinteressadas, nascidas da espontaneidade e de um pouco de ingenuidade. O fato de cada um ter seguido o seu caminho, de alguns de nós parecermos mutuamente estranhos agora, não significa que se anule o que juntos construímos, o que trouxemos e deixamos um à vida do outro. Amizade não tem a ver com o tempo. É outro o seu compromisso.

Falando em tempo, no fim das contas, também na escola fiz bons amigos. Pessoas que me transformaram, ajudaram-me a descobrir estimas, desenvolver potencialidades. Pessoas que me deram música, encheram-me de letra e melodia. Pessoas que me disfarçaram medos, formaram o cordão para que eu pudesse avançar cada vez mais longe de onde estava acostumado a ir.

Nas faculdades, igualmente, descobri bons amigos. Gente de diferentes lugares deste país imenso, cada qual com um acento novo, um tempero mais propício, um acervo inédito no qual mergulhar e não ter pressa de emergir. Colegas, professores, flores que apareciam no caminho entre a casa e a aula.

Em outros lugares, a mesma sorte. Hoje, tenho amigos que dançam, amigos que saltam para cravar a bola na quadra, amigos que escrevem, amigos que debatem, amigos que interpretam, amigos que fazem um pouco disso tudo e pretendem fazer ainda mais. Amigos que vão, que voltam, que escoltam a caravana pelo prazer de participar.

Em comum entre eles, o que entendo ser a essência da amizade, também de todo sentimento maior, como o amor e a ligação familiar: apoio. Especialmente nas situações mais difíceis, o amigo é aquele que dá apoio, que presta solidariedade, que se preocupa e faz questão de demonstrar essa preocupação. Ainda que sua opinião seja divergente; que, no fundo de si, ele não compreenda as decisões e indecisões, o amigo se compadece do outro e vem em seu socorro. Mesmo que apoio signifique dizer verdades doídas; que consista em medidas duras, indesejadas, o amigo não se esconde. Não vira as costas. Não sai gritando desaforos e batendo portas. Não faz represália apenas porque o seu ponto de vista não foi implementado. Não perde a memória assim, de um dia para o outro. Diz o que sente e fica, ao invés de ir embora.

Amigo, se é que dá para resumir, é quem supera eventuais discordâncias em nome de algo mais elevado, de um pacto que envolve umas poucas condições: respeito, dignidade, carinho, tolerância.

Abençoado de diversas maneiras, fui agraciado também com a dádiva de amigos que estão aí, nas linhas acima e nas de muitos outros cadernos, já escritos ou ainda por se preencher. A vocês, ofereço esta pequena, sincera homenagem, como gratidão por tudo.

Allan - 21/07/2013