quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Árvore


Tinha uma pequena árvore, pela qual passava, que haviam enfeitado no Natal. Eram luzes simples e bonitas, que davam um aspecto etéreo ao conjunto. Não sei que sensação de plenitude e encanto me dava ao olhar para ela. Até torcia para o semáforo fechar; para, quem sabe, nunca mais abrir.

Há poucos dias, passei à noite e, necessariamente, as luzes não constavam mais. Repeti a passagem, agora em um fim de tarde, e, para minha surpresa, a árvore conseguira se superar: repleta de miúdas flores lilases, prende os olhos de qualquer alma minimamente feliz.

Por que o desejo de partilhar esta observação tão pessoal - e, a rigor, tão inútil - não sei. Talvez para concluir que o que é belo, belo será, não importa o tempo ou os adereços. Talvez para me convencer de que há mais esquinas em cada esquina do que supõe nossas vãs plantas urbanas. Talvez porque o semáforo, atendendo minhas preces, aguarda gentilmente o devir destas palavras.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Amor e política


A julgar por aquilo que acontece no mundo (cada esquina, cada lugar), não, as declarações de amor cívico e universal das redes sociais não causam epifania no coração de governantes malvados, os quais, tocados pelo doce som da harpa da concórdia, cancelam suas ambições em benefício da paz e do entendimento.

As evidências, aliás, são de que sequer aumentam o estoque bruto de amor no mercado. Ao contrário, causam um aumento drástico dos juros cobrados sobre o sentimento, além de provocar cinismo e indiferença nos cidadãos quanto à eficácia e conveniência do regime.

Por isso, se você me perguntar se existe amor em São Paulo, eu digo: claro que existe. Existe amor em Paris, na Nigéria, na Indonésia? Sem dúvida que sim. Mas amor não impede atentados e massacres, amor não interfere nos corredores da morte nos cinco continentes, amor não existe na diplomacia brasileira, amor não redunda em ordem ou desordem pública, progresso ou atraso material, mobilidade ou paralisia urbana.

Não se faz política com amor, como não se faz amor com política.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Doutores

 
Uma lagartixa suméria de três cabeças, erguida sobre a cauda de jujuba, dança Macarena numa folha que, misteriosamente, nem despenca, nem ascende: fica parada no ar, imune à gravidade, a cerca de seis metros de altura, em movimentado largo desta metrópole.
 
Surpreendente? Talvez à primeira vista, mas olha: nem dá tempo de se impressionar. No Facebook, já temos doutores na lógica do fenômeno, destacando causas, consequências e, claro, denunciando a hipocrisia geral das sociedades vertebradas, já que ninguém, réptil ou humano, pode ser distraído e feliz um segundo sequer sem ferir a lei desses distintos tiranetes.