sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Parabéns!


Tudo bem, já passou da meia-noite, e tal, mas tenho que registrar que este Blog completou um ano de existência neste último dia 24. Para mim, é como se comemorasse um novo aniversário. Um pedacinho à parte, que nasceu à toa, numa gestação despretensiosa, e que, um ano depois, responde por muitos dos meus sentimentos e ambições. Porque cada palavra, cada texto, cada comentário escrito por pessoas queridas e assíduas, é tradução de uma emoção. Rota indireta à expressão de qualquer coisa linda e tocante que precisa ser revelada, se alimenta desta necessidade.

Muita gente está aqui, ora citada ora veladamente. E acho que é isso que torna este espaço tão especial, com seus defeitos e suas jóias. Das que lêem às que são lidas e nem sabem, meus agradecimentos mais sinceros, por me ajudarem tanto e tão profundamente.

Obrigado!

Allan

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Relevo


As pessoas pisam. Judiam. Desdenham. Fazem troça dos esforços que fazemos para sermos verdadeiros. Exigem que banquemos todo tempo bons cordeiros.
A gente releva.

Os políticos detonam. Chegam ao fundo impossível do deboche. Escondem o sorriso com o bigode. Fazem um enorme pagode onde é o povo quem sacode ( e se fode...).
A gente releva.

Conterrâneos sofrem abusos de autoridade. São parados nas portas giratórias. Levam tiros na saída das agências bancárias. Não podem sacar o dinheiro que suaram pra ganhar.
A gente releva.

Vizinhos são espancados, seqüestrados, achacados. Quando o roubo não é casual, é oficial: imposto predial, taxa ambiental, alíquota social, contribuição federal.
A gente releva.

A gente releva e, uma hora, enerva. Mas, de tanto relevar, o relevo cresce a ponto que montanhas se avultam em torno de nossa sede. Os olhos já não podem alcançar a bela vista. Ficamos isolados, tristemente alienados. Guardados da realidade que borbulha do outro lado.

Pra escalar, depois, não é fácil...


*


Há exatos dois anos, escrevi minhas idéias sobre o tema felicidade. Revisitei-as, outro dia, e com alegria percebi que não mudei de opinião. Talvez não esperasse transformações tão rápidas e drásticas neste tempo que passou. Muita coisa marcou, a ferro e fogo, minha pele. Ainda marca, quando me distraio das coisas que valem a pena e me ponho a refletir.

No frigir dos ovos, porém, justamente este lado menos belo é que me faz valorizar o lado mais bonito, mais brilhante desta vida. Um lado que é muito maior, muito mais significante, muito mais forte e importante que os desvios da estrada principal.

Às vezes, de fato, é bom sair do asfalto e ver como tudo é mais lento nas vicinais de chão batido. Como os perigos são reais, como as fugas são ilusórias, como o tempo é sempre exíguo, pra quem nasce e quem se vai.

Eu agradeço bastante, com intensidade, por ter sempre esta chance das duas medidas. Do discernimento racional e passional sobre o que tem valor de verdade e o que é puro capricho. Por saber que minha missão é agradecer, do fundo do coração. Por ter em mãos os termos de comparação e, a partir deles, compreender o privilégio de ser quem sou. De viver a minha vida, cometer os meus erros, ter a autonomia e possibilidade de entrar e sair da minha estrada quando quiser. A liberdade de não agir somente quando convier.

Muito obrigado!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Bodas


Você é tudo o que eu sonhava muito antes da gente se conhecer. Na verdade, até antes de nascer. Porque só uma coisa assim explica o que se dá em mim. O desatar que de repente põe-me a andar nas avenidas, sem controle do que faço, sem saber onde é que o passo está, doido, a me levar. Ele leva, acredite, sempre aonde você está. Não sei como eu adivinho. Não sei como o seu caminho se tornou tão visceral. Seu carinho, tão marcante, essencial.

Você é quem me completa, quem me espeta se preciso e me injeta o paraíso pelas veias. Você é o canto das sereias que me chamam para o mar, para o fundo deste mundo. E eu vou, pensa que não? Vou sem nem lembrar quem sou, sem sequer pestanejar, que sei bem que meu lugar é do seu lado, molhado, marcado, mudado. Suado, soldado, selado. Fechado e trancado, sem nem chave pro cadeado.

Você é o que me dá quando o vento vem soprar a janela do meu quarto. A missão que me foi dada tão depressa fez-se o parto. Eu me lembro do seu rosto e lhe garanto: tinha já todo esse encanto que o tempo retratou. Você é, aliás, o melhor do que eu sou. O motivo de sair e de voltar, do planeta quem sabe girar, desta flor desabrochar. Do sol no céu brilhar. O impulso que me dá de correr pela cidade em busca de socorrer aquela sua vontade. Sabe como é, gravidez, sétimo mês, madrugada, dez pras três, frango xadrez... É normal você querer, pode deixar que eu vou ver.

Você é aquela risada que vem assim, do nada. O fazer nada e tudo bem, o que é que tem? Todas as 1001 mulheres do meu harém. O café quente na cama (tão bom sentir que alguém me ama!). O risco branco de sol que atravessa o lençol. Às vezes, o próprio sol, a própria luz que me invade e me impele à verdade. A angústia que me bate de não estar fazendo o certo, de estar sempre menos perto, mais distante e hesitante. O medo de não ser forte o bastante.

Você é tudo o que eu sonhava muito antes da gente se conhecer. E não sei como foi ser, mas cinqüenta anos depois ainda é tudo o que eu sonho. Até me envergonho. Tanto tempo de casado e ainda estar apaixonado? Só podia ser eu mesmo, esse velho desastrado...

domingo, 5 de abril de 2009

Homenagens


Cai a tarde e, com ela, folhas desbotadas, desgarradas do rebanho, vão-se debruçando, lentamente, sobre o chão. O céu começa a tingir de noite, mas ainda há teimosos raios de um sol que hesita em se pôr. Como o amor, contornam as nuvens carregadas de lágrimas, as copas travadas das árvores, até preencher de luz as fendas da natureza. As fendas da vã tristeza.

O outono deseja entrar. O verão quer ficar, nem que seja um pouquinho mais.

No meio da praça, um banco, não tão branco quanto antigamente, nina em seu colo algumas das folhas que despencam. Pensa que vêm do céu. Cuida delas como fossem filhas suas. Filhas de um deus que é seu, dos demais bancos, dos brancos, dos negros, das existências transparentes. De todos os presentes naquela praça, das crianças na gangorra ao grão de terra que o vento sopra e vai parar do outro lado da calçada.

A infância é uma coisa engraçada. Estação dita passada e, no entanto, tão presente, que se sente permanente.

Há tempos que ninguém senta, além das folhas, nesse banco. Agora que é outono, então, nem pensar. Começa a esfriar, a escurecer mais cedo, a uivar um medo sem nome das entranhas da lagoa. Dizem que lá tem um peixe que voa e soletra a palavra "inconstitucionalissimamente", a maior do vocabulário, olha só que hilário...

Outro dia, porém, alguém sentou. Com carinho, ajeitou as folhas no canto oposto, fez um sorriso lindo no rosto. Mordiscou a metade que faltava da maçã, ornou o cabelo de flores, o mundo de cores, a vida de brilho. E, com um fone em cada ouvido, de sandália e de vestido, pôs pra tocar um samba antigo, um de seus preferidos.

Tudo então ganhou sentido!


*


A vida é uma arte. Como diz a canção, é uma ilusão que a gente tem e, sem saber o que fazer, deixa-a escapar sem querer, por medo de tentar, de não saber, de não ter forças para ser todo esse querer.

"¿Por qué la dejé, por qué la dejé?"

É esbarrar com alguém por acidente, em meio a tanta gente, e esse alguém ser o presente que esperamos. A ilusão que não seguramos.

Se não andáramos os dois, ali, aquela hora, nem talvez nos conhecêssemos. Nem talvez eu descobrisse que minha madrinha baixinha é uma caixinha de surpresas. Um mosaico de belezas, de alentos, de dez mil e novecentos talentos reconhecidos, fora os que ainda serão urdidos. Ela é doutora especialista em dar a pista de ser feliz.

Chama-se Ana Beatriz. Bibi, buzina de carruagem dos romances de folhetim, que por mágico acidente veio parar aqui, em nossos tempos, a chamar pela atenção das coisas do coração. A fazer da ilusão o prelúdio da ação, da diferença um portão, do preto e branco um pavão. Do "podia ter sido" o "são".

E de "Bibi", rainha deste salão, madrinha desta emoção, uma linda e eterna canção...

sábado, 4 de abril de 2009

De repente é um belo dia


De repente, a gente gosta. Não se sabe por onde, por quando, por quê. Por isso, o de repente. Por isso, a torrente, a serpente, o envolvente. Inconseqüente.

Um belo dia surge e daí em diante urge, como fora, desde sempre, de uma precisão vital. O sal da água da mar.

De repente, fica-se torcendo pra que seja mesmo engraçado o comentário que se fez, só para que ela ria e faça sentido o dia. Fala-se o mais trivial em busca de aprovação. Os olhos procuram desvendar um traço de ternura nos olhos que estão do outro lado. A manhã tem mais vigor, mais alegria, mais beleza na calçada, na alvorada.

Um belo dia tem-se a pretensão de adivinhar cada pensamento. Antecipar cada movimento. Justificar cada diferença ou aversão com argumentos de coração, que não exigem retidão metodológica nem rigor científico. Vale só o doce aroma que se quer vindo da boca, em lufadas perfumadas de silvestres estações.

De repente, não é que se esqueceu da hora. Apenas os ponteiros mudam de direção. O tempo vai em outra escala, tira um cochilo no sofá da sala. Não quer nem saber de passar voando. Ainda assim, quando se gosta, mais depressa parece correr. Não há tempo a se perder.

Um belo dia, sobra louça sobre a pia e ele, que antes desaparecia, corre agora com alegria, a lavar, prato por prato, copo por copo, como escrevesse poesia.

E ainda por cima assobia...!

quarta-feira, 25 de março de 2009

Definição


Você vai?
Não sei, e você?
Não sei, depende de você ir ou não. Se você for, eu vou.
Mas não dá pra ir sem mim?
E dá pra ter começo sem ter fim?

Buscando-se um meio termo entre céu e inferno, verão e inverno, Havaianas, gravata e terno. Com régua e compasso, será que eu acho a mediatriz entre a virtude e o pecado? Ação e estado?
"Si no mueve el culo, no se come pescado", conta um sábio provérbio cubano.
Um velho dilema humano.

Na esquina do dever e do desejo, tem um bêbado jogado, estraçalhado pela rotina da rua. Trabalhava numa obra aqui perto de casa e, de repente, se perdeu na vida, ou se encontrou, ou não deu certo alguma investida e a busca se fez desiludida. Sei lá! Sei que jogar uma pá de terra sobre o passado é jogar uma pá de cal sobre a parede pichada. Restaura a fachada, mas não cerra o problema.

E que tem isso com o enredo?

Tem que ver com o fato de acordar cedo, deixar a casa em ordem, meter o pé na lama, sujar a borda do vestido. Espremer os ossos no ônibus lotado, até a lata estufar e ninguém conseguir sequer respirar. Descer, correr, saltar as poças, desviar das cusparadas, como manda o asseio, subir a passarela, descer as escadas, validar o bilhete, cruzar a catraca, trocar de lata. Duas horas no trem, no tráfego estático de homens, odores, horrores, uns poucos sorrisos revigorantes. Dor de cabeça que até lateja, mas ninguém sabe que o que você deseja de verdade é só um pouco de sossego. É a liberdade de Luz del Fuego, acoitada no fluxo inconsciente das femininas veleidades.

É uma vida normal, plena e total, impossível nessa rotina infernal que rende uns míseros trocados. Não passa fome, mas a fome de verdade nunca some, nunca morre, lhe consome a paciência, fome enorme que não tem nome.

Você gosta de mim?
Claro que gosto, ué. Que pergunta?
Mas gosta como?
Gosto do jeito que se gosta de uma pessoa que a gente gosta.
E isso lá é resposta???

Treme e dispara,
diz "pára!", coração!
Diz não!

Que a verdade ainda é longe da definição...

sábado, 21 de março de 2009

Engenharia onírica


Lá fora, passos se ouviam.
Gritos se perdiam.
Dentro, promessas repetiam.

A atmosfera era de pânico. Havia algo estranho no ar, diferente de um simples ventar. A qualquer momento, irromperia da parede um braço cheio de tentáculos, disposto a nos devorar em sua lógica carnívora. A qualquer descuido, revólveres apontariam para as nossas cabeças, com sádico e mórbido prazer.

O perigo estava à espreita, sem receita certeira que o combatesse. Daí sairmos, minutos depois, em busca da pizza que, acredito, alguém pediu pelo telefone (quem mais viu o aparelho?). Meu pai e eu, pelas ruas conhecidas do bairro, rumo a um destino prático, hábito sagrado dos sábados e, vez ou outra, também dos domingos.

Na esquina da tal pizzaria, uma sorveteria. Pizzaria e sorveteria? Isso mesmo. Condição sine qua non a se chegar ao balcão das pizzas era passar pela sorveteria. Não havia entrada alternativa. Um ambiente agradável, de luz cálida e amadeirada, donde se via, à direita, um grande freezer, com variedade apetitosa de sabores, e, ao outro extremo, um grupo de humanóides a formar soturno círculo.

Havia conotação sexual naquela horda de proto-homens. Em roda, pareciam chupar seus inefáveis picolés como simulassem grande orgia. Havia também algo de religioso, como cultuassem a divindade totêmica por meio de estranha coreografia corporal. Talvez parecessem, simplesmente, formigas em alvoroço, reunidas em volta de um grande pedaço de comida, deixado cair por acidente.

A pizzaria, em si, era bonita. Havia mesas espalhadas pelo amplo salão, algumas delas já ocupadas. A que conste, já estava então sozinho, que os sonhos, sabe-se bem, são o sonho de consumo dos diretores de cena, rachando a cuca em busca da harmônica solução ao vai-e-vém das personagens. Do lado de fora, um terraço, igualmente amplo e bonito, que me apressei em conhecer, pela curiosidade que sempre tive com os terraços, dando vista a um lugar que já não era mais meu bairro, tampouco minha cidade.

Colinas e campos abriam-se junto às portas, envoltos pelo véu negro e misterioso da noite fria. Um espetáculo de paisagem, apesar da escuridão. Ali fora, duas moças encontrei, uma gorda e uma magra. A primeira parecia mais simpática que a segunda, mas esta, de semblante mais familiar, foi que me fez aproximar.

Se houve prosa, já não me lembro, nem de que estivemos, porventura, a conversar. Sei que logo ambas sumiram e, de humano, restaram apenas uns poucos vultos, mais ou menos próximos de onde me encontrava, sentados em turma sobre a grama, ao pé de árvores ou conversando em frente à porta externa do restaurante.

No céu, não apenas uma lua brilhava, mas várias. Algumas inteiras, soberanas, cheias e douradas, como olhos femininos de um universo curioso da vida terrestre, qurendo espiar do alto como vamos por aqui. Outras, ocultas detrás das nuvens, espalhando seu brilho em raios, fragmentos. E outras, ainda, de chantilly, em forma de pequenos corações, desenhadas magicamente por uma mão invisível, que fazia seu trabalho ali, ao vivo, para quem quisesse apreciar.

Extasiado, enfeitiçado com aquela maravilha da natureza, meio sentado, meio deitado sobre a grama, senti que sua mão, nívea e real, aproximava-se da minha. Depois seus braços, peitos, pescoço, perfume, coração. Respiração. Lado a lado, rostos dopados, quase colados, olhos persuadidos pelo mistério daquele céu pintado ao vivo, cravado de chantilly e diamantes, senti o que nunca sentira antes.

No cenário mais ideal que alma alguma houvesse já sonhado, com a pessoa mais real que romance algum tivesse já descrito, senti que não podia deixar o dito pelo não dito. Ensejo igual nunca haveria. Em minhas mãos, o dever e o desejo de sancionar a eternidade. Em meus lábios, entre incrédulos e ávidos, a suprema potência de reinventar a humanidade.

B..., eu preciso dizer que te amo!

Susto sem nome afligiu-me o coração.
Passava já bem do meio-dia,
tempo de desembarcar
do trem da fantasia...

Relicário


Quilômetros e quilômetros de distância.
Anos-luz de relevância.

Você tá feliz? Tá ansiosa?
Nervosa?
Cuidou da gripe?
Tá tristinha?
Sozinha?

Tenta sair da linha, quem sabe resolve.
Quem sabe pegar a linha,
olhar meu nome no celular,
ligar.

Responder tudo isso sem eu ter que perguntar.

Há quem diga que a solidão é uma opção.
Um mergulho na escuridão com uma lâmpada de 100.000 watts
bem ao alcance da mão.

Um esforço nunca é vão.

Diz a crônica que um maluco da cabeça comprou duas dúzias de rosas, de todas as cores que se possa imaginar, pra ver se arrancava um sorriso na véspera da Páscoa. Chocolate era muito previsível. Aí, sabe-se lá o que aconteceu, a moça não apareceu. E ele ficou lá, uma hora, duas horas, quinze horas. Sob chuva, sol, luar, até o dia seguinte raiar. Aí, plantou as flores atrás do ponto de ônibus, um pouco além da cerca de arame farpado, formando o mais belo jardim que se vira na cidade.

Quase isso, que quem escreveu a tal crônica fui eu
e só eu, portanto, sei inteira a verdade.

Foram duas rosas,
não duas dúzias,
ambas cor-de-rosa, mesmo,
que quem me conhece,
sabe bem que aqui, pro belo,
vale só rosa e amarelo.

A moça, que era justo você,
naquele dia, de fato, não veio,
mas não esperei tanto assim.

Esperei só até o fim
do horário da sexta-feira,
quando boa parte já se foi
e ficam só os pássaros vespertinos,
os desejos de destinos,
os morcegos, as folhas,
os amantes e os viajantes.

As rosas, fragrantes, flagrantes, pararam na minha casa, na estante da sala, distante deveras daquelas paragens. Por uns cinco dias, eu olhei, amei e odiei as pobres flores - testemunhas, provas e culpadas do crime de se amar ingenuamente.

Crime da estéril semente.
Pois confesso que o estranho, de verdade, foi quando deixamos de ser diferentes e nos tornamos indiferentes. Queria saber de onde vem essa frieza, essa moleza, essa avareza de sentimentos que nos jogou em pólos opostos da correnteza. Queria entender para onde o vento levou minhas palavras, se o seu ouvido era tão perto e me bastava sussurrar.

O novo é belo, instigante,
está levando-me adiante,
mas cadê seu pé de All Star
a me atazanar?

Cadê o sonho do teu rosto,
tão macio, tão bonito,
a me ninar nas noites negras
que até hoje me amedrontam?

Quando eu tinha medo de alguma coisa, vou te contar um segredo: pensava que não podia mais ter medo, ou não haveria quem te proteger quando fosse a sua vez de temer.

Contar ainda outro segredo: guardo um bilhete que você escreveu, mesmo sabendo que, cada dia que passa, mais a mensagem desbota do papel. Pensava que um dia, anos depois, ia mostrar que ainda o tinha, só pra te deixar feliz. Só pra que visse como eu gosto de verdade de você.

"Só é seu, aquilo que você dá..."
Só é seu, aquilo que você dá..."

Eu dei a alma minha,
que era tudo que eu tinha
e, no entanto, fim da linha:
era ainda muito pouco
a quem, na vida,
perdera a medida
e queria bem mais.

No cais, o apito plangente de um navio a zarpar indicava que a história ainda estava por começar, que a viagem estava por se iniciar.

Esqueceram só de antecipar ao capitão, um velho charlatão, lobo do mar, que havia o risco - mais que sério - da jangada naufragar...

E quem teve a idéia de cruzar o mar com uma jangada?

Quem continua calada, zangada?

Sem saber que
ao fim da estrada,
olha só o contrasenso,
a vontade é retornar...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Tempo


O pior do tempo que passa de graça não é o tempo que passou, mas as oportunidades todas que se foram nesta hora dita perdida.

Você queria falar alguma coisa. Era visível. O olhar corria, abaixava, se escondia. Suas mãos nervosas ajeitavam, impacientes, o cabelo, que de sua parte não se ajeitava de jeito nenhum, afinal ventava. Quando saíam dos cabelos, tomavam o rumo das orelhas, dos brincos, dos dedos da mão oposta. A perna não se agüentava quieta debaixo da mesa, havia um sapateado que o restaurante inteiro podia ouvir. O sorriso se acompanhava de um sutil tremor no canto dos lábios, que não sei se só eu via, de tanto ensaiar te ver, ou se os outros também podiam perceber. Era um trejeito seu.

Você queria falar alguma coisa, mas não falou. Achou que a boca estava demais seca, que uma nuvem cobriu a lua bem na hora que saiu à rua, que ainda não tinham ligado pra dizer se tinha ou não passado na audição. Vai saber não eram sinais pra não dizer? Você não disse e, tivesse dito, dia bendito não haveria igual na vida dele, que estava justamente esperando a sua resposta para fazer a pergunta que há muito queria fazer, e desse diálogo ver algo lindo, lindo demais, nascer.

Mas quem sabia que era o dia de dizer?

Você queria ir naquela festa. Esperou dias pelo dia. Adiantou a tarefa do trabalho, a leitura da faculdade, a ida ao centro da cidade. Por três noites seguidas, viu o sol emergindo atrás do prédio vermelhinho, de tijolos. Tudo para ir à tal da festa. Aí, na manhã do sábado, do sábado da festa, ligou uma amiga antiga dizendo que ia ter filho e que o chá de bebê era aquela noite, com as desculpas de só ter avisado assim, em cima da hora, e a sentença obrigatória de presença. Obrigatória, não por imposição, mas porque a amiga, anos antes, fizera-lhe um favor que só amor motivaria e ela, pois, então devia.

Ir à festa, no entanto, era tudo o que queria.

Queria, mas não foi. Ou melhor, até tentou, mas quando chegou, no meio da madrugada, já não havia mais ninguém que interessasse, só gente desconhecida, e visto assim é como não fora. Não foi e, tivesse ido, teria muito se ferido, que o rapaz que a seduzira, seduzira-se por outra, e dor pungente sentiria ao vê-lo inteiro, impunemente, nos braços da rapariga. Não foi e, tivesse ido, não teria conhecido o Professor Aparecido, sogro da amiga e avô do rebento, que viria, anos depois, dar-lhe cargo, voz e assento no conselho da faculdade, abrindo as portas de seu futuro.

Mas quem sabia que era dia de não ir?

O pior do tempo que passa de graça não é sentir que cada segundo adiado nunca mais será vivido. É pensar o que teria sido, caso usufruído. É saber que, qualquer fosse o caminho escolhido, aqui, exatamente, nunca mesmo chegaríamos.

É não saber se teria sido melhor ou pior fazer tudo de novo ao contrário...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Confesso, é ingênuo


Engraçado é como o ser humano se vê acuado ao lidar com uma situação que, de tão simples, deixa-o, todavia, deveras enervado: enxergar pelos olhos do outro. Dir-se-á que é impossível, infactível, intangível à razão sentir no peito o alheio coração, mas não é, não. E é fácil de provar. Hoje debateram sobre a situação da Faixa de Gaza dois eminentes professores das ciências humanas e jurídicas - um de procedência israelita e outro de ascendência árabe. Munidos de argumentos consistentes, a certo grau irrefutáveis - tamanha sua lucidez e objetividade  deixaram, ao final da conferência, uma pergunta chave, senão em todos, pelo menos em minha cabeça: como podem dois lados historicamente antagônicos, vetores opostos e, por tal, anulando-se um ao outro, ostentarem, cada qual, verdades tão verdadeiras? Como podem duas versões tão destoantes, tão mutuamente aniquilantes, explicarem o mesmo fato e se manterem vivas, coerentes, plausíveis, se o fato, em si, é um só?

Um só? Será que existe, em essência, um só fato? Existe fato onde há pessoas?

Alertou o palestrante de origem árabe, ao lidar com uma afirmação acerca do caráter 'terrorista' do Hamas, sobre os perigos de chamar com uma palavra assim feroz qualquer pessoa, homem-bomba ou piloto de caça em meio ao conflito. "Chamar alguém de 'terrorista' dá a prerrogativa para matá-lo, para humilhá-lo, para ignorar que ele, ainda ser humano, goza, em tese, dos mesmos direitos humanos das vítimas potenciais de seu futuro ato. Dá a prerrogativa de crer que, sendo ele 'terrorista', são também 'terroristas' seus familiares, seus amigos, seus vizinhos. E assim se explode toda uma comunidade, com as crianças, as mulheres, os animais, os civis desavisados. E a carne que voa é a mesma, seja a bomba um punhado de pólvora envolto em PVC ou o artefato teleguiado eletronicamente pelos dedos do soldado."

A fala não foi exatamente essa, mas quase, e dela se pode muito bem inferir que, sendo terror, numa definição livre e não-acadêmica, o estado de ameaça constante à integridade física, à vida, etc., sem que se esteja em estado franco de conflito, não há diferença entre o medo que assombra o israelense, quanto aos foguetes do Hamas, e o medo dos palestinos com o ruído funesto das bombas caindo. Como se pode muito bem concluir que, não sendo a vida da alçada da Aritmética, morto um ou mortos mil, a dor é exatamente a mesma. É evidente que, juridicamente, historicamente, politicamente, há muitas outras implicações importantes, que vão desde a assimetria da reação israelense, com suas horrendas conseqüências para os palestinos que estão à margem de toda a confusão, à inflexível posição do Hamas em certos aspectos, aos interesses de ambos os lados em que não cesse a desgraça, etc. Isto, entretanto, não vem ao caso.

Vem ao caso que, longe de almejar reduzir conflito de tal magnitude a ponderações assim ingênuas, qualquer esboço, por mínimo que seja, de contorno do problema, passa por esta idéia tola de olhar a partir dos olhos do outro. De perceber que certas coisas não se mensuram e, mais além, certas coisas são universais: dor, medo, esperança, angústia, pele, pulso, sangue, lágrimas... Vida. Qualquer esboço de contorno do problema passa pela atitude amistosa que os dois debatedores, fiéis a suas crenças talvez até mais que aqueles que se digladiam na Terra Santa, esses dois, ao olhar para o outro, enxergam-se, um pouco, dentro deste outro. E, ainda que não consigam cumprir, por inteiro, tamanho desafio, esforçam-se para compreender as razões deste outro. Para pensar, um instante que seja, como seria a vida do lado de lá do muro, detrás de inúmeros cadeados e restrições.

Como seria ficar para sempre trancafiado, sem nem direito a advogado...

Confesso, é ingênuo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Pesadelo


Levantou-se, um belo dia, assustadíssima de sua cama. Viu os fios de luz penetrando as frestas da janela, o lençol jogado displicentemente no carpete amadeirado de seu quarto e, em um lampejo fugaz, feraz, teve a impressão de não ser a primeira nem a última vez que aquilo acontecia.

Suava frio, suava rios, e o suor se confundia a lágrimas que lhe caíam langorosamente dos olhos profundos  olhos que eram mundos proibidos e misteriosos, apesar da harmoniosa transparência que deles se depreendia. Sonhara, a menina, que já era senhora: casara-se na comarca tal, distante milhas e mares de seu quintal, em data desconhecida e, ao que dizem, despida. Não teve vestido de noiva. Lua-de-mel, se houve, foi pintura esboçada em algum mágico pincel, que do leito nupcial uma só recordação não existia. Aliança, isso sim havia, e era feia, torta, morna, mais parecendo uma lasca de bigorna.

Ela olhava para o dedo e não sabia de onde vinha aquele anel, tampouco reconhecia o céu, onde as estrelas, em vez de brilhar, piscavam vermelho e amarelo, como se o firmamento todo já estivesse ocupado por estacionamentos e edifícios de cem mil andares, e aos pares se chocassem, pelo ar, aeronaves e andorinhas. Neste mundo estranho, ela vivia uma vida que não era a sua, em um corpo que depois foi perceber também não ser o seu. Tinha contornos distintos, alguns mais belos, outros mais brandos todos, porém, diferentes de sua beleza fina, feminina, a que ela mesma não atinava, às vezes, mas que era sublime, encantadora. Mesmo o homem que ela deveria chamar de "meu" não era seu, nem tinha um nome que pudesse se chamar. Ou melhor, tinha, mas ela não sabia, nem nunca saberia, que não se permitiria a uma esposa submissa a premissa do questionamento.

Tinha filhos que não haviam bebido o leite do seu peito, nem lhe sorrido o primeiro sorriso desdentado, desengonçado, nem lhe roubado noites em claro, nem desvendado-a pelo faro. O mais velho, inclusive, parecia esconder um rabo atrás da blusa. Não surpreendia, aliás, se chegasse mesmo a ser um jacaré posto de pé, como a irmã um filhote de garnizé. Feita mãe órfã, não combinava, simplesmente, com eles, muito menos pelo sangue que pelo desespero de dar com o tempero sem ter provado da iguaria.

As ruas tomavam o lugar das calçadas, enquanto as fachadas erguiam-se no interior das construções  que não tinham portões, só porões. As prisões, em vez de delinquentes, trancafiavam pessoas contentes. A ordem estabelecida exigia, sob pena capital, que a gente fosse entristecida, ou andaria marginal. Sal, açúcar e limão eram artigos fora de mão  além de estranho, esse mundo era insosso. Era carne de pescoço. Esboço de pesadelo no fundo do poço do petróleo iraquiano.

Levantou-se um belo dia e, assustadíssima, correu de pés descalços pela casa, a sentir o piso frio de ardósia e de poeira, que então não era sujeira. Abriu os vidros, as portas, as cortinas, as agendas, e saiu a caminhar, de camisola, disposta a encerrar quaisquer contendas. Tinha 19 anos e era linda, bem-vinda em todo canto, cheia de vida e valor, e de amor. Tinha um namorado que lhe fazia surpresas e caretas, que lhe ninava as noites tossidas, que lhe inventava carícias medidas, que lhe sacava flores da manga do paletó, que era dela e só. Tinha pais que não haveria como querê-la mais, carinhosos, pacientes, confidentes. Tinha dons surpreendentes e batons de cores diferentes. Tinha, enfim, muito mais que o destino em suas mãos. Tinha o presente, mais que vibrante e desejoso de ser permanente, e em caráter urgente uma única medida.

Tinha a vida...

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Contrário


Msg enviada em
29/05/08
às 21:55


O Ser Educado,

delicadamente,

pede pra te dizer

q lamenta ñ ir à festa,

pq queria mto

te ver vestida

de menininho...


Mas manda dizer tb

q ñ precisa de olhos

pra saber quem vai ser

a flor (masculina, claro)

mais linda de toda a noite!


Bjs

domingo, 4 de janeiro de 2009

JP


Irmãos crianças,
desde sempre
e para sempre.
Porque fraternidade
se sente pelos olhos,
castanhos ou azuis,
e porque afinidade
é dádiva divina,
não sangüínea...

Dani


Irmãos adultos,
desde sempre
e para sempre.
Porque fraternidade
vai muito além
do que podem sentenciar
tempo ou genoma.
Não é algo
que se ponha
em redoma.

E você é minha irmã, Dani,
porque eu e você
assim quisemos,
assim crescemos,
assim sentimos,
assim choramos.
E porque,
de tanto irmos,
tanto virmos,
tanto rirmos,
irmãos ficamos.

Irmãos amamos...