A vida vai-se revelando de acordo com os estados de alma e a passagem do tempo, que se definem um ao outro, por natureza, quando não convergem a uma coisa só. E são tantas, as surpresas, tantos, os imprevistos - bons ou ruins - que chega a ser grosseiro acreditar, ainda que por instantes, que já se aprendeu, sentiu, viu ou viveu tudo que se podia.
Não. Nunca será o bastante para atingir semelhante estado. Milênios não se mostrariam suficientes a que um homem, solitário, erguesse a cabeça aos céus e julgasse haver compreendido o que se esconde em sua imensidão. É certo que as experiências se repetem, que os erros cometidos tendem a se transformar em rotina, que o prazer causado por uma sensação ou circunstância se procure, avidamente, perpetuar. Tão certo como vem a noite e muda tudo, e o dia que amanhece já não é o que ficou para trás, por mais parecido que se apresente.
O sofrimento advém muito desta nossa impotência quase trágica em admitir que as coisas do passado não se alteram. Em acatar o fato de que, se não aconteceu, paciência, não vai mais acontecer e pronto. E, se aconteceu, paciência do mesmo jeito, o tempo não é uma fita que volta acionando um botão de controle remoto. Advém também da dificuldade em compreender que as coisas do presente, sim, se alteram, e radicalmente. O que hoje é certeza amanhã pode ser dúvida, como o que hoje é aliado amanhã pode voltar-se contra. A vida, como um todo, é relativa. Nossa ansiedade, uma fome incongruente de absoluto.
Andar entre estas máximas e metáforas é que é complexo. No papel, tudo funciona, fica em um só plano, é linear. Tem estrutura, argumentos, coerência - até na incoerência. Na prática, entretanto, o buraco é mais embaixo. É a vida, bem maior, que se põe em jogo. É a sensação etérea de que só existe uma chance, um caminho, uma via, e que não se tem o direito de errar. É a aflição de compreender os macetes da psique, a que profundezas eles levam, sorrateiramente, para disfarçar os medos reais, para disfarçar a indisposição em enfrentar a realidade, para jogar a pessoa contra si mesma, numa guerra cruenta e silenciosa.
Do conflito, deve mesmo derivar o amadurecimento, que tem seu lado bom e seu lado mau. Problemas grandes tornam-se pequenos, quase insignificantes. Em princípio, por crueldade da psique, que joga os valores no abismo e, em meio ao susto, faz a pessoa esquecer tudo que não seja a queda. Posteriormente, em sentido reverso, como um saldo positivo, se é que assim se possa chamar. A força cresce, os calos crescem, a coragem cresce.
Do medo, aliás, é que vem a coragem, veja só que coisa...
18/11/08