terça-feira, 11 de junho de 2019

Convicções


Diziam-me dos benefícios, da força, da solidez das convicções. Ser virtuoso era ser convicto, era não oscilar, era não duvidar.

Então vi proliferarem os convictos e suas empedernidas verdades. Vi-os regozijarem quando sua lógica triunfava e, na falta do triunfo, vi-os regozijarem do mesmo jeito, pois a lógica era só a linha de frente de seus arsenais, equipados com gumes muito mais cortantes que os dentes de leite da racionalidade.

Vi-os em prélio com outros convictos, aos gritos, aos tiros, aos beijos. Vi-os e vi-me, vil para eles, que atacavam a minha fraqueza, a minha dúvida, a minha covarde recusa em respaldar a marcha de sua empolgante utopia.

Vi-os e vejo-os, por todos os lados, em cada fibra da rede, senhores do mundo, dobrando o espaço-tempo, relativizando vida e morte para que seus vetores estejam sempre justificados, sempre indefectíveis, sempre malditamente certos.

Vejo-os porque estou cego. Porque, para eles, sou um fantasma no espelho, que confunde esquerda e direita, que se fragmenta e multiplica no milagre do vidro. 

E, deveras, o sou, suspeitoso que me faço, cada dia mais, de que nada há, por trás dessas fachadas infalíveis, que a ressaca de uma grande bebedeira.