terça-feira, 10 de junho de 2014

Patrulhas


Quando não institucional, as patrulhas sorrateiras: ironia, crítica, sanha, moral. Fanáticos religiosos contra fanáticos políticos. Hostes em guerra, empunhando seus metais e sangues, destruindo pelo menos dez vidas reais a cada soldado que tomba, indene, das teorias, fustigando a terra com seus dogmas estéreis.
 
Até quando?
 
Até quando serão eles que me dirão onde, como e em que condições posso ser humano? Até quando me tabelarão nessas colunas sem vértebras? Até quando estimarão meu valor esses corretores de consciência, artífices de números que não batem, geômetras de ágonos critérios? "Você é livre, aproveite"! Mas correr como, se a bola de ferro está no sangue, atada a cada molécula de hemoglobina que generosamente me transfundem, segundo a propaganda oficial?
 
Até quando terei que aturar estes inquisidores retintos e seus solenes juramentos? Por que verdade o que eles contam, o que eles querem, o que eles exigem, sob tortura, que os fatos lhes confessem? Por que não posso gostar deste canto sem desgostar do outro, pisar com um pé dentro e outro fora, deixando a porta aberta? Por que a sua, e só a sua, taxonomia? A sua obsessiva mania de classificação?
 
As patrulhas. Você reclama das polícias, dos impostos, dos satélites, das câmeras de insegurança. Certamente há razão nestas queixas, quando gestadas na inviolável dignidade do sentimento íntimo de fadiga ou ira, na legitimidade incorrupta do que fervilha no coração. Você reclama e bota a boca no trombone, no que obra bem; fica em silêncio, no que obra bem; coteja o momento com a história, no que obra bem; olha as estrelas, no que obra bem; ama seu filho, no que obra bem; chupa um sorvete, no que obra bem; toma qualquer decisão de própria lavra, sem o apoio prestativo de blogueiros que passam sermão nos leitores, no que obra divinamente bem.
 
Você reclama, mas, quanto às patrulhas, a culpa já não é do presidente, do governador, do prefeito, do congressista, da imprensa, das elites, dos marginais, da abstrata sociedade, de nenhum desses aí. De nenhum nem de todos, nem de alguns. Pode ter sido um dia, em condições normais de temperatura e pressão. Um tempo distante, distante não em metros, remoto não em anos. De outro quilate a lonjura. Basta um olhar às postagens adjacentes. Quantos imperativos! Quantos julgamentos! Quantas presunções sem provas! Quantas generalizações esdrúxulas satisfazendo egos famintos! Basta sair à rua e ouvir as prescrições infalíveis dos que buzinam seus carros porque o outro cometeu o disparate de deixar o pedestre atravessar. Basta precisar de um serviço público ou até privado. Para além de todas as carências, de todas as microfísicas, de todas as nuances, são pessoas. Pessoas, por Deus do céu, maltratando pessoas, perseguindo pessoas, afligindo pessoas, impondo a pessoas iguais o seu arrogante rosário de certezas.
 
Patrulha é a face ativa da intolerância. E intolerância é quando a vida se torna assim, insuportavelmente cobrada, catalogada, matematizada, sugada por todos os orifícios da sua especialidade, tudo a pretexto de quê? De um pressuposto alheio, notadamente torpe na raiz, cego na finalidade, raso no alcance, obtuso na justificativa, infantil na lógica. Forte, fortíssimo, infelizmente, nos interesses que fundam, nos meios que mobilizam, nas atrozes consequências que perpetram.
 

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