segunda-feira, 16 de novembro de 2020

O poder do voto


Muitas pessoas dizem para votar certo, votar consciente, votar isso e aquilo. Entendo a ideia, mas discordo de que ela seja possível, por um motivo simples: a razão de existir do voto é exatamente o oposto. 

Uma eleição só faz sentido na medida em que o certo, o consciente, a virtude, tudo isso varia de eleitor para eleitor. A partir do momento em que um discurso reclama para si o monopólio dessas qualidades, já não há escolha: todos que se lhe opõem são errados, inconscientes, viciosos.

Sem esta compreensão de que o poder do voto reside, precisamente, em sua fragilidade, sua inconsistência e, até mesmo, sua insignificância, continuar-se-á falando em democracia no idioma das ditaduras. Na expansão tirânica do "eu" sobre a coletividade.

A liberdade que se deseja para si tem que ser a mesma que se deseja para outrem. Qualquer descompasso nessa equação indica que há correntes tácitas na raiz da ideia. É um dilema que passa longe de candidatos, ideologias e demais clivagens, mais ou menos artificiais, porventura existentes.

Em cento e trinta e um anos de República, entre golpes de Estado e intentonas várias, que a História ora condena, ora relativiza, a sua conveniência, este regime vigente desde 1985 talvez seja o mais estável e inclusivo que já tivemos. E, ainda assim, seu espírito democrático fraqueja diante da ganância dos partidos, dos projetos personalistas, das falsas ilusões, da corrupção, da incompetência. De tal maneira, que talvez não seja absurdo encontrá-lo mais vivo no Parlamento do Segundo Reinado que nos dias atuais, em que hashtags valem mais que ações.

Como sair disso? Não faço ideia. Não quero fazer. Não quero que ninguém acredite que o saiba. Já temos receitas demais conflitando na cena pública. Receitas inúteis, quando a escassez não é de jeitos, mas de farinha.

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