domingo, 29 de março de 2020

Destino


Não me alinho muito com a ideia de que o ser humano vá sair melhor da crise. Entre outras razões, porque, humano sendo, tendo a incorrer no viés de considerar como melhor aquilo que se me assemelhe, o que já me faz, desde o princípio, juiz parcial da pensada evolução.

Sendo muito honesto, não me alinho nem mesmo à ideia de que o ser humano possa ou deva, no atacado, melhorar. Muito, afinal, da grandeza do que a nossa espécie produziu deriva da superação do mal que ela própria sabe causar, não de sua negação. A virtude só faz algum sentido quando convive intimamente, na mesma alma, com o potencial de pecado de que esta é capaz.

Isso dito, pontuaria que há coisas mais simples a se tirar do momento. Se, em vez de uma redenção geral e triunfalista, uma pessoa tomar um tempo para pensar em outra como até hoje não pensara; interessar-se mais proximamente por seu bem-estar; comparar ambas as circunstâncias e lutar para encontrar semelhanças; desejar-lhe um bem qualquer com todo o coração; se apenas isso acontecer, na escala mais discreta que se possa imaginar, já será um acréscimo de bem sem paralelo ao mundo que dividimos.

Não o salvará, desta nem de outras turbulências, mesmo porque tampouco sei se me alinho com a ideia de que o mundo precisa ser salvo, pois voltaria ao dilema inicial, de que, humano sendo, tendo a incorrer no viés de acreditar que a força salvadora saia sempre das minhas hostes, não do inimigo.

E aí já não é história o que faríamos, mas destino, pouco importando o peso da escolha, a liberdade do arbítrio, a saúde, as renúncias, o amor ou as coisas simples, cujo estatuto se alteraria, de forma triste, ao de simples coisas.

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