domingo, 5 de abril de 2009

Homenagens


Cai a tarde e, com ela, folhas desbotadas, desgarradas do rebanho, vão-se debruçando, lentamente, sobre o chão. O céu começa a tingir de noite, mas ainda há teimosos raios de um sol que hesita em se pôr. Como o amor, contornam as nuvens carregadas de lágrimas, as copas travadas das árvores, até preencher de luz as fendas da natureza. As fendas da vã tristeza.

O outono deseja entrar. O verão quer ficar, nem que seja um pouquinho mais.

No meio da praça, um banco, não tão branco quanto antigamente, nina em seu colo algumas das folhas que despencam. Pensa que vêm do céu. Cuida delas como fossem filhas suas. Filhas de um deus que é seu, dos demais bancos, dos brancos, dos negros, das existências transparentes. De todos os presentes naquela praça, das crianças na gangorra ao grão de terra que o vento sopra e vai parar do outro lado da calçada.

A infância é uma coisa engraçada. Estação dita passada e, no entanto, tão presente, que se sente permanente.

Há tempos que ninguém senta, além das folhas, nesse banco. Agora que é outono, então, nem pensar. Começa a esfriar, a escurecer mais cedo, a uivar um medo sem nome das entranhas da lagoa. Dizem que lá tem um peixe que voa e soletra a palavra "inconstitucionalissimamente", a maior do vocabulário, olha só que hilário...

Outro dia, porém, alguém sentou. Com carinho, ajeitou as folhas no canto oposto, fez um sorriso lindo no rosto. Mordiscou a metade que faltava da maçã, ornou o cabelo de flores, o mundo de cores, a vida de brilho. E, com um fone em cada ouvido, de sandália e de vestido, pôs pra tocar um samba antigo, um de seus preferidos.

Tudo então ganhou sentido!


*


A vida é uma arte. Como diz a canção, é uma ilusão que a gente tem e, sem saber o que fazer, deixa-a escapar sem querer, por medo de tentar, de não saber, de não ter forças para ser todo esse querer.

"¿Por qué la dejé, por qué la dejé?"

É esbarrar com alguém por acidente, em meio a tanta gente, e esse alguém ser o presente que esperamos. A ilusão que não seguramos.

Se não andáramos os dois, ali, aquela hora, nem talvez nos conhecêssemos. Nem talvez eu descobrisse que minha madrinha baixinha é uma caixinha de surpresas. Um mosaico de belezas, de alentos, de dez mil e novecentos talentos reconhecidos, fora os que ainda serão urdidos. Ela é doutora especialista em dar a pista de ser feliz.

Chama-se Ana Beatriz. Bibi, buzina de carruagem dos romances de folhetim, que por mágico acidente veio parar aqui, em nossos tempos, a chamar pela atenção das coisas do coração. A fazer da ilusão o prelúdio da ação, da diferença um portão, do preto e branco um pavão. Do "podia ter sido" o "são".

E de "Bibi", rainha deste salão, madrinha desta emoção, uma linda e eterna canção...

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