sexta-feira, 6 de maio de 2016

Burocrática


Vez por outra a gente recebe uma nota de falecimento por e-mails institucionais. Na grande parte dos casos, não conhecemos as pessoas que faleceram. Docentes aposentados, o pai de um funcionário de outro departamento, no qual sequer pisamos, alguém que ocupou um cargo já caduco na lógica administrativa.

A gente olha os dados biográficos, sumários como nada que pareça com a vida. Endereço do funeral, condolências automáticas nas palavras de pesar. A morte em sua face mais fria, que é a face burocrática.

A gente apaga o e-mail, para não obstruir a caixa de entrada. Com um clique, esquece o que já foi esquecido pelo ciclo natural da fisiologia. Nada há de cruel neste ato, é verdade. Quantas pessoas não morrem todos os dias? Quantos, talvez, que nenhuma chance tiveram no decurso de sua existência, que não sorveram sabores vários, que tiveram seus sonhos mais simples vetados pela necessidade de acordar cedo? Quantos, possivelmente, que não chegaram perto da plenitude e da felicidade daquele cujo finamento acaba de se nos comunicar?

Nada há de cruel, repete-se. Se todo sofrimento humano açoitasse a pele dos indivíduos da espécie, pereceríamos no primeiro ar. Não daríamos um passo, não articularíamos um som.

Nada cruel, sublinha-se.

Por que, então, esta amarga sensação?

Nenhum comentário: