quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Sussurro


A vida muda tanto, e tão rápido, que às vezes o dia amanhece, a gente levanta da cama e é como se, de repente, tudo estivesse diferente. Não foi o mundo que se transformou, nem o tempo que passou depressa demais. Fomos nós que deixamos passar alguma coisa, que não sabemos bem o que é, mas de que sentimos muita falta.

Por isso, é bom, de vez em quando, a gente olhar sem medo para dentro de nós mesmos e nos perguntarmos: está realmente tudo certo? É isso o que queremos para nossa vida? É pra isso que lutamos, que acordamos cedo, que engolimos tantos sapos, que deixamos o orgulho de lado?

Às vezes é bom abrir um pouco mais os olhos. Dá medo, sim, mas logo a gente acostuma. E descobre coisas. Descobre, por exemplo, que nunca vai ser simples, mas às vezes vale a pena estender um pouco o combate, para além de nossas usuais batalhas. Que o desconhecido não morde, porque também tem medo de você, que é igualmente uma incógnita para ele. Que as melhores coisas da vida são óbvias demais pra toda essa complexidade que a gente arma na cabeça, e talvez por isso não as enxerguemos.

Abra os olhos! Não pense pequeno, nem pense que as coisas são assim porque são. Às vezes, um pequeno gesto, ou então uma simples palavra que dizemos, define para sempre o destino de uma vida. Esta palavra pode ser sua.

Diga-a, antes que seja tarde. Antes que o tempo passe mais uma vez diante de nossa imobilidade. Diga-a, por favor, porque ninguém vai dizer por você, e porque a vida é curta e imprevisível demais para nos darmos ao luxo de esperar que as coisas aconteçam sozinhas...

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, eu precisava ler isso!!
Aliás, suas palavras, precisando ou não, sempre modificam algo dentro de nós. Não há como enaltecê-lo à altura porque apesar de todo o poder que têm as palavras, quando me deparo com arte tamanha, elas se dispersam em minha mente e acabo não sabendo como expressar o impacto bom que me causa sua escrita!! Exímio escritor!!!
BEijos, Mainá

Anônimo disse...

Que lindo, Allna... me fez lembrar de um texto da Marina Colassanti...Vc é fogo!!! rsrsrs bjo Inez


Eu sei, mas não devia

(Marina Colasanti)


Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Tawuanda disse...

Allan, você é uma pessoa muito especial. A cada palavra sua eu tenho ainda mais a certeza disso.
Não sou tão boa como você nas palavras, mas queria expressar o quanto você foi é especial; principalmente nas palavras escritas neste e no poema acima.
São palavras sábias, e me arrisco a dizer que são como o Darma, que nada mais é que ensinamentos de Buda.
Mas não deixe, nunca, o orgulho deludido entrar na sua mente.
Sim sou budista e estudo livros budistas há 8 anos. E te digo que muitas destas palavras escritas por você são Darma.
No budismo aprendemos que cada ser vivo possui a semente búdica e você, como todos, a possue e a coloca nestes "poemas". Você mostra o que realmente é a vida: preciosa. Devemos aprender a cada momento que pulsa o caminho que devemos realmente trilhar.
Gostaria de te presentear com dois livros, se você me permite.
O "recado" chegou num momento muito importante e delicado da minha vida, e que as tuas palavras tudo me disse.
Muito obrigada, Allan.
Continue sendo esta pessoa linda.
Me regozijo por você ter este dom este olhar.
Beijocas
Maria Magalhães, uma cidadã dançante.

Anônimo disse...

A pura verdade que muita gente não quer enxergar!!☺

Anônimo disse...

Lindo Allan! Adorei seu texto!
Parabéns mais uma vez e sei que sempre vou acabar te parabenizando mesmo. Esse teu talento nos presenteia com textos maravilhosos.
Obrigada!

Bjs,
Re Daibes

Aninha disse...

Lindo!è impressionante a sua capacidade de nos levar para dentro de suas emoções, em cada palavra, em cada frase.
Adorei!
Esse texto deveria ser nossa oração de todo dia, para não cairmos nas mesmices da vida e sempre nos questionar o que realmente queremos.
beijos

Anônimo disse...

Nossa Allan!!!
Que lindos...
Mais uma Vez digo que sempre me emociono,quando leio algo escrito por vc,suas palavras realmente tem um pouquinho de cada um de nós,e sempre me indentifico com eles.
"Parabens"
Beijos Dayane