segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Dias de chuva


Os dias de chuva são escuros.
Os dias de chuva são melancólicos.
Os dias de chuva remetem a um trauma antigo, que assustou os ancestrais e demoveu os primeiros tiranos da Terra.

Os dias de chuva confrontam nossas mais cruas agonias.
Levam-nos a perambular pela casa, de um lado a outro, em busca de resposta a perguntas vãs: "Onde está o chinelo?"
"Onde está o sol?"
"Onde está este que pergunta pelo sol e os chinelos?"

Os dias de chuva questionam a autoridade que nos é imposta.
Convidam a gente a dormir, depois a sonhar, depois a embarcar por uma viagem em que tudo é permitido, tudo é possível. Anseios do passado estampam-se no vestido esvoaçante dos desejos que ainda não se consumaram. O vento bate no topo do penhasco e, embaixo, o mar quebra violentamente suas ondas. Eternamente, seus torpores.

Os dias de chuva convidam-nos a despertar. A remoer o vazio que fica do sonho. A ausência do que não existe. O temor de monstros com rosto de bichano e dentes de lobo faminto, à espreita da primeira vítima desavisada.

Os dias de chuva aprisionam os arroubos e sufocam os disparos. As balas estouram no peito e dilaceram o pouco que resta de vida. O coração bate mais por rotina que por paixão. É um sobrevivente sem perspectivas de salvamento. Acredita na superação, mas não na redenção.

Os dias de chuva lembram o que a pessoa era ontem e quem se revelou ser hoje. Acenam de longe e sussurram no ouvido uma coisa que não se entende, nem é para se entender. Confundem-nos para exercer seu domínio. Exercer seu fascínio.

Os dias de chuva são uma procura. Uma busca pelo encontro consigo. Uma busca por não se sabe quê, mas que se justifica sem precisar de argumento sólido. São um invento sórdido. Uma vingança tramada para confinar o homem e colocá-lo diante do mais trágico tormento: o próprio homem.

Os dias de chuva são pesados.
Os dias de chuva são pausados.
Os dias de chuva são pregados
na cruz suprema dos martírios.

Os dias de chuva prenunciam os dias de sol, que prenunciam os dias de chuva. Fecundam a terra e a alma. Lavam as laivas, levam as chagas. Nutrem o ciclo.

Os dias de chuva...
A vida.

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