terça-feira, 7 de outubro de 2008

Solidão


Tenho uma família unida. Uma família feliz. Fechada na dor e aberta no amor. Tenho a necessária unidade para não cair quando estiver a oscilar. Gente boa nos extremos segurando as pontas. Fazendo tudo que é conta pra que eu possa caminhar sem medo de tropeçar. Tive e tenho sorte, muita sorte.

Estou sozinho.

Tenho amigos poucos, mas puros, presentes, pacientes. Pessoas que superam seus limites somente para me ensinar depois que também é possível superar os meus. Tenho amigos que nem conheço e que, no entanto, oram por mim toda noite. Pedem-me força, energia, calma. Rezam para que minha alma se estabeleça onde bem queira, livre de fardos e feridas, ou então que voe, apenas, e pare de sonho em sonho, embaralhando as cartas.

Estou sozinho.

Tenho colegas que ignoram minha existência e outros que, do nada, surgem, mostram seu apreço, viram-se do avesso e me envergonham de eu ainda não os ter notado. Tenho cúmplices e testemunhas que ficaram anos na sombra, à espreita, vigiando-me, e hoje combatem ferozmente entre si, determinando a que lado deve pender a balança de minha consciência. Tenho doze bilhões de olhos sobre mim.

Estou sozinho.

Tenho dívidas intermináveis com pessoas de quem corro atrás. Não as alcanço nunca mais, acho. Não tenho certeza se a dívida é com elas ou comigo mesmo. Tenho também pessoas mágicas correndo atrás de mim, mas não consigo fugir da raia em que estou correndo, nem consigo diminuir o passo. Elas também não poderão me alcançar. A maratona é eterna. Não existe linha de chegada. Dura o tempo que o tempo passar.

Estou sozinho.

Tenho paixão por duas pessoas que não combinam nem se entendem comigo. Mas, se não combinam nem se entendem, como, então, paixão? Sei lá, combinavam e se entendiam, agora não mais. Tenho amor por muitas outras, correspondido ou não. O amor é uma força mutante, sempre cabe mais no coração. Mutante e infinito. Amar é bonito. Meu amor é bonito e único, e sabe disso.

Estou sozinho.

Tenho uma música que escutava todo dia na época mais perdida da minha vida. Dias lindos e terríveis. Noites úmidas de um inverno que ficou no coração e não deixou mais a primavera florir os campos. Tempos em que eu andava distraído e tanto me fazia aonde ia a cabeça, pois tinha certeza de que chegaria ao meu destino. Tempos em que só um destino era possível. Ele não foi e, até hoje, meus olhos se enchem d'água ao ouvir a canção.

Estou sozinho.

Tenho, agora, tudo e todos de que preciso para ir em busca do que ainda me falta. Não é muito, nem é pouco, nem espero que um dia alcance a plenitude - ou perderia a graça. Tenho problemas e vazios, novos e antigos, para enfrentar e preencher. Tenho mil motivos para viver e uma pequena multidão nas arquibancadas vibrando com minhas jogadas.

Ainda assim, perdido em mim,

Estou sozinho...

5 comentários:

Anônimo disse...

Os dias de chuva...

Ultimamente minh'alma não sai de dentro porque lá fora ainda está com cara de que vai chover...

Isso foi só um desabafo alheio...

Mas como vocÊ consegue ser tão minucioso ao descrever o que todos sentem? Você é verdadeiramente um poeta...

Allan disse...

Para Mainá!


Cada tempestade, um porquê. Um perfume, um porém, um prazer. Uma sede de tudo ser. Um perdão, um senão, um safanão. Uma paixão...

Cada tempestade, um trovão. A saudade do toque da sua mão. O tilintar do tempo, com seus truques, seus tratos, seus trapos, seus trajes. Ultrajes...

Cada tempestade, uma andança pelos vãos da alma. Pelos vãos atavios em que, carente, pungente, se enreda a gente. Um silêncio, uma ofensa, uma sentença. Penitência...

Cada tempestade, delírios prementes e pulsantes. Pátios plangentes onde piam os passarinhos e ferem os espinhos da universal melancolia. Eles batem asa e voam. Ela, pobre, não pode. Implode...

Cada tempestade, um grito celeste gela a noite. Paúra, orgasmo, euforia. Interlúdio, rocha, alegoria. "Dispa-se já da fantasia, que raiou o dia."

Cada tempestade, a menina chora com tristeza as nuvens de seu pranto. Busca um encanto que se perdeu. Um canto onde ela, antes, se escondeu, e agora está à vista, não é mais breu, não é mais seu.

Cada tempestade, a mulher se encolhe em si e, logo ali, mal a chuva passa, ela renasce, resplandece, e colhe a flor, e inverte a cor, e faz o amor vingar a dor...

Anônimo disse...

Tão perfeito, tão profundo poema!
Palavras agora organizadas em mim!
Obrigada Allan!! bjos =D

Anônimo disse...

E só agora que venho agradecer...
Mil perdões...

Mas olha, vou te alugar para me fazer sorrir e me dar forças para fazer resplandecer o sol de uma manhã cheia de flores, de todas as cores e diversos sabores. Vou colhê-las e num arranjo completo vou agradecê-lo!!! Sei lá...hahaha!! Fico feliz e me sinto honrada com esse seu comentário-poesia!!

Obrigada!!! Beijos!!!

Anônimo disse...

Meu querido filho!
Palavras suas:
"Que as melhores coisas da vida são óbvias demais pra toda essa complexidade que a gente arma na cabeça, e talvez por isso não as enxerguemos."

E é assim mesmo!
Pode caminhar sem medo, que estou nas "pontas", te segurando!
Sorte tenho eu...
Te amo.
Margareth