segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Esquisito


Penso se fiz bem em ignorar a multidão de coisas a redor. Este meu desdém para tudo quanto se pinta de sério na vida de uma pessoa. O rol de leituras obrigatórias, rituais de passagem, penhoras sociais, experiências transformadoras, sem os quais, dizem, devemos nos suicidar. O tem de passar por isso porque Fulano disse, tem que fazer aquilo porque não se é jovem para sempre, precisa saber mais que os outros e, principalmente, antes que os outros, não pode desistir nunca, nunca, nunca.

Alguém disse uma vez, ou deve ter dito, que, se conselho fosse bom, ninguém dava de graça. Raciocínio, convenhamos, muito do lógico em um país onde tudo se cobra, e bastante caro. Mas não é este o ponto. A questão vai mais no íntimo: tenho mesmo? Preciso mesmo? Ora, não bastam já as leis ordinárias, a interminável Constituição, o costume das gentes, os mandamentos da fé, a irrequieta voz da consciência, placa daqui, placa dali, seguranças de shopping, guardas de trânsito, anúncios de videntes, propaganda da Unilever, propaganda do governo?

Decolo do plano retórico, aterrisso, lanço no ar as minhas dúvidas... Chamam-me alienado. Com razão, bastante razão, é claro, quem ignora, quem se alheia, quem se insula, não merece alcunha diferente. Alienado. Acha que a vida é brincadeira, parceiro? Acha que pode ficar em cima do muro o tempo todo, com esse sorrisinho presunçoso? Acha que meia dúzia de palavras medíocres resolvem o problema de alguém? Acha que é diferente para você?

Aí é que está: eu acho. Diferente para mim e para cada um. Obrigatório? Para você! Necessário? Para você! Imprescindível? Para você! Para o resto (e somos muitos), a vida é uma brincadeira, todos cabem sobre o muro (que, assim, não separa ninguém), palavras insurgem quartéis e insuflam corações. E, quando não é dia, a vida é uma luta ingrata, o muro segrega povos, as palavras se despejam no esgoto, o sorrisinho presunçoso vira soluço dolorido na garganta. Não porque você diz ou porque tem que ser. Porque é.

Fazem grandes discursos por aí do risco e do mal da alienação. Mas não é com os alienados que se deviam preocupar, não. O maior perigo destes dias são os conscientes. Os que se julgam na vanguarda de tudo quanto é causa e saem se vangloriando dessa liderança, como uma elite intelectual chantagista que, para a saúde dos nervos e o bem do tratamento, não pode ser contrariada. Os que totalitarizam a vida cotidiana com essas máximas pomposas e sem nenhum significado. Os que leem o jornal de ontem e acham que sabem a história. Os que almejam ser livres para amanhã prender os inimigos. Os que fecham a frase e, no seu autoritarismo de baixa caloria, emendam: ponto, fato, assunto superado, página virada, imprensa golpista.

É esquisito ver a democracia nas mãos desses homens, concentrada em supositórios que nos enfiam, periodicamente, para continuarmos acreditando que eles trabalham por ela. É esquisito que nos cobrem para que cobremos, de quem não cobra, que passe a cobrar os outros, e nessa espiral desenfreada de cobrança, ver desenhar-se a peçonha de uma cobra horripilante.

É esquisito que um peixe graúdo morra afogado em alto-mar, mas se a perícia diz... Não será este o infeliz a desmenti-la.

*

Mais uma noite que passo
encarcerado no espaço
onde o sonho me demora
e você já foi embora

Por que não fica uma vez?
Por que tamanha mudez?
Por que não me contemplar
que o seja só pelo olhar?

Responda-me, por favor!
Responda-me, doce flor,
que sentido no luar
se a noite não terminar?

Que sentido no luar senão nos iluminar?

(Para uma flor doce, azeda, grave, leda, linda, que um dia viveu de fotossíntese na luz de um celular e hoje, olha que chique, tem o luar todo para ela).
    

2 comentários:

Rê! disse...

Obrigada!

Sem mais.

Beijos,
Rê :)

Anônimo disse...

Suas palavras traduzem o meu pensamento.
Eu me ressinto profundamente com o que tenho visto e ouvido de pessoas, na TV, em comentários de jornais, no facebook,etc., sobre como devemos agir, falar, fazer. Antes éramos julgados pela justiça ou por alguns familiares e amigos. Hoje todos se acham no direito de cobrar atitudes, julgar e condenar, inclusive com crueldade, expondo alguns a situações, no mínimo, desconfortáveis. Pessoas sem o menor conhecimento do que estão cobrando. Pessoas estúpidas e mal informadas que escutam o galo mas não sabe de onde vem o canto, mas se gabam de repetir o que desconhecem. Os politicamente corretos. Os exagerados amantes de bichos e defensores do meio ambiente. A fila indiana das pessoas do "bem" que caminha ordenadamente e sem questionamentos, apenas com algumas paradas para o apedrejamento moral de pessoas que desejam estar fora da fila.
Confesso que está muito difícil viver no séc. XXI. O mundo está se tornando chato. Vivemos hoje uma ditadura de comportamento, a meu ver, muito pior que a ditadura militar.
Parabéns pelo texto. Excelente!
Beijos.
Margareth