sexta-feira, 6 de março de 2015

Improvável


Uma pessoa, por desajeitada que seja ou pense estar, pode aprender várias coisas: nadar, patinar, desenhar, dobrar roupa, falar línguas. Aprende a dançar, dirigir, fazer esportes, proferir discursos, plantar uma horta, cultivar pomares no quintal de sua rotina.

Vamos além: se inato, como dizem, o talento, inata, igualmente, a capacidade para criar conhecimento. Porque uma pessoa, assim querendo, pode muito. Aprender não só habilidades, mas sabores, texturas, cores, dimensões. Quão semelhantes teto e piso nos imprecisos giros do planeta.

Sim, uma pessoa pode crescer, pode expandir-se, aprimorar-se. Descobrir formas autênticas de rir e de sorrir, novos mistérios em velhos saberes, novos sinais no caminho cotidiano. Enxergar beleza onde não as via, onde hábito e lei diziam não haver.

Em meio a este acervo comum de potencialidades, pessoas pensam diferente, expressam-se diferente, falam diferente, olham diferente, até enxergam diferente. E, com tudo isso, podem sonhar igual. Sentir igual. Ora, quantos discrepantes relevos debaixo da mesma amplidão de água, dos mesmos raios de prata da lua inatingível? Esses reflexos sobre nós, embalando afinidades, não nos unem o bastante?

Unem, claro que unem, como nos unem aquelas notas indizíveis que vem de dentro: o respeito, a empatia, a carícia avassaladora de quem verte ternura dos poros. Quem se aproxima, com toda a sinceridade de uma prosa, das rimas do coração. Quem se preocupa, nos detalhes mais banais, com a nossa condição. Quem afaga ansiedades, cuida dos silêncios, fia expectativas. Quem, nessas horas desgarradas que não se aprendem, cunha, modestamente, pequenos milênios de amor.

O que é uma religião, o que oferece um dogma diante de tamanha força? O que pode a estatística nesta torrente improvável? Quanto contam opiniões se a verdade não está no dito, mas no bonito? O que, finalmente, mais bonito que o entendimento entre almas díspares, a atração entre corpos únicos, a melodia que faz, dos nós, os laços?

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