sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A fanática do nado peito


Pois bem, lá ela aparecia, no final da tarde, descendo furtivamente os degraus da escada, mergulhando e iniciando, como um ritual, o seu peregrino exercício.

Foi assim no primeiro, assim no segundo, assim no terceiro dia, disciplinadamente, como um trabalho essencial que necessitasse de ser entregue a um chefe misterioso, um Poseidon qualquer que, aos olhos meros dos humanos, não se tornasse jamais visível no rejunte dos azulejos.

De um lado para o outro, sem cessar, batendo a mão na borda só o tempo suficiente de virar o corpo e dar início ao novo ciclo. Ignorando os macarrões que flutuavam na superfície, chocando-se contra eles, muitas vezes, desviando-se dos demais banhistas, que, imersos em diversões de futilíssimo alcance, não compreendiam a sua quota de sacrifício pela espécie.

Sempre nadando peito, nunca outro estilo. Braçadas vigorosas, um pouco desajeitadas, às vezes, como todo o corpo, ao emergir d'água. Os olhos abertos, apesar do leve teor salgado da solução em que se deslocava.

Trinta, quarenta minutos. Na memória do observador, contudo – e por que haveria de ser diferente, se a beleza da vida está no olhar? – tempo mais, muito mais.

Nenhum comentário: