domingo, 5 de janeiro de 2020

Piscina


As pessoas na piscina me parecem frequentemente envolvidas em uma aura que as faz mais atrativas do que em outros ambientes.

Tenho lembranças muito antigas desta premissa fundamental da minha imaginação. Desde as minhas primeiras aulas de natação, olhava admirado para colegas e professoras, que pareciam se transformar em criaturas divinais, vindas para este mundo por brechas abertas pelo cloro na estrutura do espaço-tempo, oriundas de um mundo onírico em cuja existência, tantos anos mais tarde, ainda creio sinceramente.

Assim me marcou a menina da touca azul, que dava as suas braçadas avançadas enquanto eu, recém-chegado na piscina grande, ainda me ajustava aos desafios da maior profundidade. Tão serena, tão calma era ela, que me fez compreender, muito cedo, a beleza da harmonia, a importância de certa doçura essencial no olhar, que segui buscando, vida afora, por outras raias e outras águas.

Assim me marcou muita outra gente, que me encantava no vapor e de quem, lá fora, eu lutava para reconhecer os traços, não porque fossem feios ou erráticos, mas porque não se ligavam mais ao azul da piscina, portanto a todo um conjunto de símbolos solenes de minha mitologia pessoal, ativados somente naqueles domínios. Pessoas que conheci bastante, outras que só cumprimentava, outras ainda com quem jamais consegui trocar uma palavra sequer, por razões ou emoções inúmeras.

E assim me marcaram, nos últimos dias, duas outras figuras com quem dividi as águas, embora de ambas não saiba sequer o nome.

A primeira delas chamou a atenção por ser muito bonita. Pelos padrões estéticos vigentes, talvez não viesse a ser confundida com uma modelo, pois estava longe de ser esquálida. Tinha, no entanto, um corpo perfeito, além de certo quê de celebridade. Ficou na piscina por cerca de uma hora, movendo-se vagarosamente, de um lado para o outro. Como não olhava para ninguém, dispensando-se mesmo daquela cortesia natural, comum entre hóspedes de um mesmo hotel, de se saudarem e sorrirem mutuamente, transmitia um ar de indiferente superioridade.

No dia seguinte, contudo, ao vê-la com outros familiares, a impressão mudou. Brincando com o sobrinho pequeno, transfigurou-se de tal maneira, que tive quase certeza de me haver equivocado. O que é mais que natural para quem, observando-a de longe, e não sendo, igualmente, uma pessoa das mais populares, às primeiras (e, às vezes, até oitavas) vistas, nem deveria estar a fazer esses juízos de personalidade.

Fato é que nunca saberei qual a versão real da personagem, se a que caminhava, de cara amarrada, pela piscina, ou a que se divertiu, no dia seguinte, com o risonho menino de boias amarelas. Talvez ambas, talvez nenhuma, talvez não seja, simplesmente, de minha conta, embora a inadimplente fantasia tenha criado histórias que valem por mil verdades.

Volto mais tarde para discorrer sobre a segunda figura, conquanto imagine que a ninguém interesse esta nota informativa de interrupção.

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