sábado, 15 de fevereiro de 2020

Apito


Passei parte da minha vida tentando entender certas coisas e não conseguindo. Achava que era da idade, da pouca experiência, do medo... De qualquer razão externa que, um belo dia, por justiça ou heroísmo, seria deposta para sempre, abrindo caminho para as grandes realizações que me aguardavam logo ali.

Frustrava-me muito, é verdade, a cada insucesso, à aparente tenacidade com que as dúvidas persistiam, impondo-me uma sensação quase física de andar perdido, em círculos. Como se me chocasse contra paredes de um labirinto que não vira ser construído a minha volta, pedra por pedra, ironicamente nutrido da paciência que me faltava.

Não sei quando foi, mas houve um momento em que acordei para a realidade, a difícil, mas necessária, realidade. O fato de que a minha incompreensão talvez nunca fosse ter um fim. A desagradável constatação de que ela era um problema exclusivamente meu. Afinal, "não entendo" é uma oração cujo sujeito, ainda que oculto, permanece sendo eu. 

Nada mudou com a descoberta. Ainda passo parte da minha vida tentando entender certas coisas e não conseguindo. Continuo achando que, em alguma estação futura, hão de descer os passageiros inconvenientes. Sigo, aliás, crendo fielmente que são passageiros, que há um itinerário, um maquinista, um trilho, uma câmara secreta em que aprendo, finalmente, como festejar.

O apito plange, a neblina baixa.

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