domingo, 2 de fevereiro de 2020

Hiper-opinião


A cultura das redes sociais tem propiciado o crescimento de um fenômeno que entendo como o de hiper-opinião, ou seja, a necessidade premente de se manifestar politicamente a respeito de todos os acontecimentos, polêmicas e declarações que agitam as assoreadas águas da Internet.

A demanda pantagruélica por posicionamento sobre os mais diversos temas, de preferência em tempo real, engendra a formação de verdadeiros parques industriais de opinião. O que faz todo o sentido, já que a grossa maioria das pessoas não possui tempo ou recursos para se pôr a refletir acerca de cada fala, cada gafe, cada comportamento escandaloso de um político, uma celebridade, um jogador de futebol, um empresário, um prisioneiro (quando não são todos uma só figura).

Produzida em grande escala, a opinião torna-se mercadoria padronizada. Pode-se, claro, variar um que outro rótulo, um que outro aromatizante. O processo, contudo, tende à homogeneização. 

O resultado não poderia ser diferente: milhões de pessoas, muitas vezes com pensamentos opostos em sua totalidade, falando e agindo, essencialmente, de igual maneira; reproduzindo, sem qualquer pudor, os mesmos esquemas mentais.

A sensação de conflito permanente, que muitos de nós, brasileiros, experimentamos nos últimos anos, advém, não em baixo grau, da saturação que um tal nível de repetição provoca em qualquer espírito minimamente lúcido. Na medida em que os discursos politizantes, ganhando um espaço muito maior do que lhes caberia no cotidiano saudável de uma sociedade, começam a soar como ladainha, nada trazendo a não ser a reprodução serial de acusações histéricas de cidadãos contra cidadãos, não apenas recrudesce a atitude cínica e indiferente das pessoas em geral, em relação à política e às questões públicas de importância, como se elevam os níveis séricos de raiva e rancor. A politização excessiva, no fim das contas, parece ser uma das mais ativas e eficazes forças antipolíticas – algo de que o populismo se nutre, com apetite desmesurado.     

O que espanta, ao menos no Brasil de 2020, é que a hiper-opinião não se restringe à seara das pendengas virtuais. Tem-se infiltrado, com sucesso alarmante, até mesmo entre acadêmicos, intelectuais, artistas e jornalistas, os quais, sem perder a pose, é claro, untados daquela oleosa pompa com que deslizam sobre a superfície da verdade, abusam da condição privilegiada de coronéis da palavra, que o são, para reforçar as cercas de seus currais.

Quando se fala em combater o ódio, partindo-se, arrogante e equivocadamente, da premissa de que este se encontra em uma latitude e longitude precisas (como no tabuleiro de um jogo de batalha naval), deve-se recordar que o amor é seu antônimo, mas não o seu antídoto. Especialmente quando se trata do ódio público, o ódio que fratura nações e os atira no colo de tiranos, passo fundamental é baixar os níveis séricos de raiva e de rancor, começando-se, por que não, com a quebra do pernicioso ciclo de reprodução hiper-opinativa.

Isto não significa, de modo algum, limitar a liberdade de opinião, cara conquista de nossa civilização. Significa, antes de tudo, restaurá-la a seu devido patamar de glória, ancorando-a, outra vez, na plataforma segura da reflexão real, em contraponto ao torvelinho das ondas virtuais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Digno de uma revista ou coluna de jornal!