sábado, 21 de março de 2009

Engenharia onírica


Lá fora, passos se ouviam.
Gritos se perdiam.
Dentro, promessas repetiam.

A atmosfera era de pânico. Havia algo estranho no ar, diferente de um simples ventar. A qualquer momento, irromperia da parede um braço cheio de tentáculos, disposto a nos devorar em sua lógica carnívora. A qualquer descuido, revólveres apontariam para as nossas cabeças, com sádico e mórbido prazer.

O perigo estava à espreita, sem receita certeira que o combatesse. Daí sairmos, minutos depois, em busca da pizza que, acredito, alguém pediu pelo telefone (quem mais viu o aparelho?). Meu pai e eu, pelas ruas conhecidas do bairro, rumo a um destino prático, hábito sagrado dos sábados e, vez ou outra, também dos domingos.

Na esquina da tal pizzaria, uma sorveteria. Pizzaria e sorveteria? Isso mesmo. Condição sine qua non a se chegar ao balcão das pizzas era passar pela sorveteria. Não havia entrada alternativa. Um ambiente agradável, de luz cálida e amadeirada, donde se via, à direita, um grande freezer, com variedade apetitosa de sabores, e, ao outro extremo, um grupo de humanóides a formar soturno círculo.

Havia conotação sexual naquela horda de proto-homens. Em roda, pareciam chupar seus inefáveis picolés como simulassem grande orgia. Havia também algo de religioso, como cultuassem a divindade totêmica por meio de estranha coreografia corporal. Talvez parecessem, simplesmente, formigas em alvoroço, reunidas em volta de um grande pedaço de comida, deixado cair por acidente.

A pizzaria, em si, era bonita. Havia mesas espalhadas pelo amplo salão, algumas delas já ocupadas. A que conste, já estava então sozinho, que os sonhos, sabe-se bem, são o sonho de consumo dos diretores de cena, rachando a cuca em busca da harmônica solução ao vai-e-vém das personagens. Do lado de fora, um terraço, igualmente amplo e bonito, que me apressei em conhecer, pela curiosidade que sempre tive com os terraços, dando vista a um lugar que já não era mais meu bairro, tampouco minha cidade.

Colinas e campos abriam-se junto às portas, envoltos pelo véu negro e misterioso da noite fria. Um espetáculo de paisagem, apesar da escuridão. Ali fora, duas moças encontrei, uma gorda e uma magra. A primeira parecia mais simpática que a segunda, mas esta, de semblante mais familiar, foi que me fez aproximar.

Se houve prosa, já não me lembro, nem de que estivemos, porventura, a conversar. Sei que logo ambas sumiram e, de humano, restaram apenas uns poucos vultos, mais ou menos próximos de onde me encontrava, sentados em turma sobre a grama, ao pé de árvores ou conversando em frente à porta externa do restaurante.

No céu, não apenas uma lua brilhava, mas várias. Algumas inteiras, soberanas, cheias e douradas, como olhos femininos de um universo curioso da vida terrestre, qurendo espiar do alto como vamos por aqui. Outras, ocultas detrás das nuvens, espalhando seu brilho em raios, fragmentos. E outras, ainda, de chantilly, em forma de pequenos corações, desenhadas magicamente por uma mão invisível, que fazia seu trabalho ali, ao vivo, para quem quisesse apreciar.

Extasiado, enfeitiçado com aquela maravilha da natureza, meio sentado, meio deitado sobre a grama, senti que sua mão, nívea e real, aproximava-se da minha. Depois seus braços, peitos, pescoço, perfume, coração. Respiração. Lado a lado, rostos dopados, quase colados, olhos persuadidos pelo mistério daquele céu pintado ao vivo, cravado de chantilly e diamantes, senti o que nunca sentira antes.

No cenário mais ideal que alma alguma houvesse já sonhado, com a pessoa mais real que romance algum tivesse já descrito, senti que não podia deixar o dito pelo não dito. Ensejo igual nunca haveria. Em minhas mãos, o dever e o desejo de sancionar a eternidade. Em meus lábios, entre incrédulos e ávidos, a suprema potência de reinventar a humanidade.

B..., eu preciso dizer que te amo!

Susto sem nome afligiu-me o coração.
Passava já bem do meio-dia,
tempo de desembarcar
do trem da fantasia...

2 comentários:

pedrinho disse...

milhor seria chamar de: "Arquitetura Onirica"....
disculpi, é o habito da força...
bom domingo, eleitor da soninha...

Allan disse...

Muito obrigado pelo comentário! Bom domingo a você também, com a única ressalva de que não sou eleitor da Soninha, não, pelo menos por enquanto. Sou um simpatizante de algumas idéias e comportamentos expressos por ela na imprensa e no exercício de seu mandato como vereadora. Estou esperando para ver como ela se sairá no cargo de subprefeita, já que uma coisa é falar e, outra, fazer.

Volte sempre!!

Abraços,

Allan