segunda-feira, 16 de março de 2009

Tempo


O pior do tempo que passa de graça não é o tempo que passou, mas as oportunidades todas que se foram nesta hora dita perdida.

Você queria falar alguma coisa. Era visível. O olhar corria, abaixava, se escondia. Suas mãos nervosas ajeitavam, impacientes, o cabelo, que de sua parte não se ajeitava de jeito nenhum, afinal ventava. Quando saíam dos cabelos, tomavam o rumo das orelhas, dos brincos, dos dedos da mão oposta. A perna não se agüentava quieta debaixo da mesa, havia um sapateado que o restaurante inteiro podia ouvir. O sorriso se acompanhava de um sutil tremor no canto dos lábios, que não sei se só eu via, de tanto ensaiar te ver, ou se os outros também podiam perceber. Era um trejeito seu.

Você queria falar alguma coisa, mas não falou. Achou que a boca estava demais seca, que uma nuvem cobriu a lua bem na hora que saiu à rua, que ainda não tinham ligado pra dizer se tinha ou não passado na audição. Vai saber não eram sinais pra não dizer? Você não disse e, tivesse dito, dia bendito não haveria igual na vida dele, que estava justamente esperando a sua resposta para fazer a pergunta que há muito queria fazer, e desse diálogo ver algo lindo, lindo demais, nascer.

Mas quem sabia que era o dia de dizer?

Você queria ir naquela festa. Esperou dias pelo dia. Adiantou a tarefa do trabalho, a leitura da faculdade, a ida ao centro da cidade. Por três noites seguidas, viu o sol emergindo atrás do prédio vermelhinho, de tijolos. Tudo para ir à tal da festa. Aí, na manhã do sábado, do sábado da festa, ligou uma amiga antiga dizendo que ia ter filho e que o chá de bebê era aquela noite, com as desculpas de só ter avisado assim, em cima da hora, e a sentença obrigatória de presença. Obrigatória, não por imposição, mas porque a amiga, anos antes, fizera-lhe um favor que só amor motivaria e ela, pois, então devia.

Ir à festa, no entanto, era tudo o que queria.

Queria, mas não foi. Ou melhor, até tentou, mas quando chegou, no meio da madrugada, já não havia mais ninguém que interessasse, só gente desconhecida, e visto assim é como não fora. Não foi e, tivesse ido, teria muito se ferido, que o rapaz que a seduzira, seduzira-se por outra, e dor pungente sentiria ao vê-lo inteiro, impunemente, nos braços da rapariga. Não foi e, tivesse ido, não teria conhecido o Professor Aparecido, sogro da amiga e avô do rebento, que viria, anos depois, dar-lhe cargo, voz e assento no conselho da faculdade, abrindo as portas de seu futuro.

Mas quem sabia que era dia de não ir?

O pior do tempo que passa de graça não é sentir que cada segundo adiado nunca mais será vivido. É pensar o que teria sido, caso usufruído. É saber que, qualquer fosse o caminho escolhido, aqui, exatamente, nunca mesmo chegaríamos.

É não saber se teria sido melhor ou pior fazer tudo de novo ao contrário...

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