sábado, 21 de março de 2009

Relicário


Quilômetros e quilômetros de distância.
Anos-luz de relevância.

Você tá feliz? Tá ansiosa?
Nervosa?
Cuidou da gripe?
Tá tristinha?
Sozinha?

Tenta sair da linha, quem sabe resolve.
Quem sabe pegar a linha,
olhar meu nome no celular,
ligar.

Responder tudo isso sem eu ter que perguntar.

Há quem diga que a solidão é uma opção.
Um mergulho na escuridão com uma lâmpada de 100.000 watts
bem ao alcance da mão.

Um esforço nunca é vão.

Diz a crônica que um maluco da cabeça comprou duas dúzias de rosas, de todas as cores que se possa imaginar, pra ver se arrancava um sorriso na véspera da Páscoa. Chocolate era muito previsível. Aí, sabe-se lá o que aconteceu, a moça não apareceu. E ele ficou lá, uma hora, duas horas, quinze horas. Sob chuva, sol, luar, até o dia seguinte raiar. Aí, plantou as flores atrás do ponto de ônibus, um pouco além da cerca de arame farpado, formando o mais belo jardim que se vira na cidade.

Quase isso, que quem escreveu a tal crônica fui eu
e só eu, portanto, sei inteira a verdade.

Foram duas rosas,
não duas dúzias,
ambas cor-de-rosa, mesmo,
que quem me conhece,
sabe bem que aqui, pro belo,
vale só rosa e amarelo.

A moça, que era justo você,
naquele dia, de fato, não veio,
mas não esperei tanto assim.

Esperei só até o fim
do horário da sexta-feira,
quando boa parte já se foi
e ficam só os pássaros vespertinos,
os desejos de destinos,
os morcegos, as folhas,
os amantes e os viajantes.

As rosas, fragrantes, flagrantes, pararam na minha casa, na estante da sala, distante deveras daquelas paragens. Por uns cinco dias, eu olhei, amei e odiei as pobres flores - testemunhas, provas e culpadas do crime de se amar ingenuamente.

Crime da estéril semente.
Pois confesso que o estranho, de verdade, foi quando deixamos de ser diferentes e nos tornamos indiferentes. Queria saber de onde vem essa frieza, essa moleza, essa avareza de sentimentos que nos jogou em pólos opostos da correnteza. Queria entender para onde o vento levou minhas palavras, se o seu ouvido era tão perto e me bastava sussurrar.

O novo é belo, instigante,
está levando-me adiante,
mas cadê seu pé de All Star
a me atazanar?

Cadê o sonho do teu rosto,
tão macio, tão bonito,
a me ninar nas noites negras
que até hoje me amedrontam?

Quando eu tinha medo de alguma coisa, vou te contar um segredo: pensava que não podia mais ter medo, ou não haveria quem te proteger quando fosse a sua vez de temer.

Contar ainda outro segredo: guardo um bilhete que você escreveu, mesmo sabendo que, cada dia que passa, mais a mensagem desbota do papel. Pensava que um dia, anos depois, ia mostrar que ainda o tinha, só pra te deixar feliz. Só pra que visse como eu gosto de verdade de você.

"Só é seu, aquilo que você dá..."
Só é seu, aquilo que você dá..."

Eu dei a alma minha,
que era tudo que eu tinha
e, no entanto, fim da linha:
era ainda muito pouco
a quem, na vida,
perdera a medida
e queria bem mais.

No cais, o apito plangente de um navio a zarpar indicava que a história ainda estava por começar, que a viagem estava por se iniciar.

Esqueceram só de antecipar ao capitão, um velho charlatão, lobo do mar, que havia o risco - mais que sério - da jangada naufragar...

E quem teve a idéia de cruzar o mar com uma jangada?

Quem continua calada, zangada?

Sem saber que
ao fim da estrada,
olha só o contrasenso,
a vontade é retornar...

Um comentário:

Anônimo disse...

Você me fez lembrar de mim mesma, há muitos anos e chorar...
Muito lindo!Como somos parecidos!
Margareth