quinta-feira, 12 de março de 2020

Empatia


A noção de que um ser humano pode se colocar no lugar de outro, buscando entender e sentir compaixão pela dor de seu semelhante, consiste em um bem dos mais preciosos que nossa espécie soube conceber. Graças a esta faculdade mental (ou espiritual, a depender do enfoque), muito do que se define como bem, em seu sentido mais puro, existe e se dissemina pela vida, erigindo verdadeiros monumentos à virtude, ao amor, à esperança e à fé.

A forma, contudo, como a empatia tem sido comercializada na grande feira de ilusões da cultura contemporânea – as redes sociais – parece-me radicalmente contrária à essência do termo. Convertida em ferramenta de marketing pessoal, a ideia perde a sua dramática valência de complexidade, própria da tradução existencial entre dois seres distintos, para se transformar em autopromoção. Já não importa mais o esforço, a renúncia, os conflitos, as pontes sempre instáveis, características da dificílima operação de convergência entre as partes envolvidas. O que prevalece é o heroísmo do "eu" empático, pavoneado como evidência de superior moralidade.

É deveras triste que um conceito tão bonito termine sequestrado por lógica assim tacanha. Basta, entretanto, uma estadia de poucos minutos em qualquer plataforma virtual, a fim de atestar o quanto a empatia tem sido usada como símbolo de status, a exemplo de uma roupa de marca ou um automóvel de luxo. A mensagem é clara: eu sou melhor que a ralé; eu vejo o que ninguém vê; persignai-vos, pecadores, perante minha infinita generosidade!

Triste, antes só! Também perigoso. Na falta de empatia, há substitutos razoavelmente capazes de manter certa harmonia social, como a lei, a justiça, a democracia. Nenhuma delas, a bem da verdade, necessita da empatia para funcionar eficientemente. Por outro lado, todas são terrivelmente vulneráveis à proliferação de agentes que se creem moralmente infalíveis – pessoas, partidos, massas, governantes. É assim, aliás, muitas vezes, que morre a política e se espalham os seus zumbis comedores de cérebros.

E é assim, também, que a própria empatia encontra a sua limitação. Sua grande força repousa no fato de se tratar de um processo interno árduo, altamente exigente, do ponto de vista do consumo de energia psíquica. Torná-la mera palavra de ordem, lançada no ventilador das redes sociais como carta coringa, capaz de virar a mesa no jogo das vaidades moralistas, é o mesmo que anulá-la. 

Uma pessoa excessivamente convencida de seu dom empático já não enxerga bem a si mesma. Exigi-lo dos outros seria cair na mais infame das contradições. Entre inúmeros argueiros, porque exigir dos outros, seja qual for o objeto da demanda, constitui, em si, o avesso da empatia.

Nenhum comentário: