domingo, 1 de julho de 2018

Viagem


Ontem não conseguia dormir. Havia voltado no tempo e o fuso horário da viagem atormentara-me o sono.

Passeei por horas que quase não existiam mais. Impressionou-me o fato de as mesmas folhas pairando no ar, como berços que balouçassem, de um lado a outro, a embalar ventos futuros. Impressionou-me ainda mais o mesmo ritmo fascinado em que batia meu coração, diante das delícias e compunções da incerteza, visto ter esta envelhecido tanto quanto eu, que agora sei que o manto era bem maior que o mistério que nele se ocultava.

Em dado ponto da jornada, perguntei-me, com sinceridade e uma pitada de desespero, por que a continuo fazendo. Entrar na máquina, ajustar a data, percorrer as rotas, tudo é angustiadamente opcional.

Encontrar-me com a poeira de que sou feito, a poeira que sobe da estrada por que vim, não. E é por ela que puxo o ar, apesar da seca poluição. Por migalhas de seu puro aroma é que rodo a chave na ignição e, atravessando o perigo dos mares, reconheço-me no balanço das ondas.

Elas assustam, devem assustar, como toda turbulência. Anômalo é o corpo que não pula à trovoada, os olhos que não piscam no instável relampejar.

Assustam, não paralisam. Não dissipam. Não esquecem.

E aquele que fui cumprimenta o que não fui, para que juntos, de mãos dadas, aprendamos algo nestes cifrados diários de viagens e possamos ser.

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